Trifonia Melibea Obono – ativista da Somos Parte del Mundo, organização de defesa dos direitos sexuais na Guiné Equatorial – tinha sido detida no sábado pelo Ministério da Segurança do país, na sequência da divulgação de um relatório, e foi libertada na tarde de domingo.
“A narrativa que existe é que foi libertada por pressão da sociedade civil. Agora, não sei até que ponto é que não foi porque não havia qualquer motivo para Melibea ter sido presa”, disse à Lusa Ana Lúcia de Sá, investigadora do Centro de Estudos Internacionais do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa.
“A prisão foi feita com base nos resultados de um relatório sobre a população LGBT na Guiné Equatorial, bastantes críticos do regime e da opressão [exercida] sobre esta minoria. Não havia mais base nenhuma para a prisão”, acrescentou a especialista no estudo de regimes autoritários em África, com destaque para Angola e a Guiné Equatorial.
Desde o princípio do ano, “a situação agravou-se após a apresentação do relatório `Tortura, Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes contra pessoas LGTBQI+ na Guiné Equatorial`, na sede da União Europeia em Madrid”, escreveu a Somos Parte del Mundo numa nota enviada à Lusa no domingo.
Na mesma nota, os ativistas equato-guineenses acrescentavam que o Governo do país considerou o relatório “demasiado atrevido” e que, “após a sua publicação, as detenções aumentaram drasticamente”.
A publicação “provocou uma reação violenta e determinadas personalidades com responsabilidades públicas utilizam desde então os poderes públicos para tornar invisíveis os ativistas LGBTQIA+ [sigla para lésbicas, `gays`, bissexuais, transgénero, `queer`, intersexos, assexuais e outros], e provocam situações para legitimar o seu desaparecimento”, denunciavam.
Ana Lúcia de Sá encontra apenas uma explicação para a detenção de Melibea: “Repressão”. Explicou ainda que “neste momento, o clima repressivo na Guiné Equatorial está numa espiral ascendente e isso tem a ver com questões estratégicas da própria sobrevivência do regime e da assunção de cada vez mais cargos e mais poder por parte do vice-presidente”, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorín.
A investigadora do Iscte chamou ainda a atenção para a detenção recente de Joaquin Eló Ayeto (“Paysa”), conhecido ativista da plataforma Somos +, também detido sem acusação.
“Paysa estava a organizar uma atividade literária, de âmbito cultural”, protestou contra a suspensão desse evento por parte das autoridades, e “partiu um vidro”, explicou a analista. “Por esse motivo foi detido”, acrescentou Ana Lúcia de Sá.
“Não há motivos para tanta asfixia da sociedade civil na Guiné Equatorial”, sublinhou a investidora. A detenção de Joaquin Eló Ayeto e a de Melibea, ainda que por apenas um dia, são “sinais de como a sociedade civil está de tal forma asfixiada que não lhe é permitida qualquer margem de manobra”, apontou.
A investigadora defende que a situação atual de “repressão” na Guiné Equatorial devia merecer uma intervenção por parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas admite ser cética em relação a isso.
“Se [a CPLP] deveria fazer algum tipo de pressão para uma maior abertura do regime neste sentido? Eu creio que sim. Não estamos a falar de patrocínio de protestos, não estamos a falar de patrocínio de ações violentas, mas sim de capacitação da sociedade civil para toda a sociedade da Guiné Equatorial mais forte, mais robusta, mais consciente, mais livre também, que no fundo é o que todos desejamos, independentemente do regime onde vivamos”, advogou.
“Mas vamos sempre regressar ao roteiro da entrada da Guiné Equatorial na CPLP: Um dos eixos era fortalecer a sociedade civil, esse eixo desapareceu do roteiro, desapareceu dos mecanismos de integração da Guiné Equatorial na CPLP e a organização é completamente inoperante deste ponto de vista”, lamentou.
A Guiné Equatorial é dirigida com “mão de ferro” pelo Presidente Teodoro Obiang Nguema, atualmente com 80 anos, desde 1979, quando derrubou, num golpe, o seu tio Francisco Macias.
O chefe de Estado há mais tempo no cargo, à exceção das monarquias, foi reeleito nas eleições de 20 de novembro para um sexto mandato de sete anos, com 94,9% dos votos, segundo os resultados oficiais, que a oposição questionou, denunciando irregularidades na votação.
Desde que se tornou independente de Espanha, em 1968, a Guiné Equatorial é considerada por organizações de direitos humanos um dos países mais corruptos e repressivos do mundo, devido a denúncias de prisões, torturas de dissidentes e repetidas fraudes eleitorais.
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