A Coreia do Sul é um dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com menor índice de qualidade de vida. O relatório Indicadores de Qualidade de Vida da Coreia em 2022 mostrou que o país ficou em 36º lugar entre 38 países da OCDE, com base em dados coletados de 2019 a 2021, com uma pontuação de 5,9 de 10, inferior à média de 6,7 da OCDE.
Uma pesquisa publicada em fevereiro desse ano pelo Statistics Korea descobriu que a menor satisfação dos coreanos com a própria vida estava relacionada a renda mais baixa e idade avançada. Em compensação, um total de 6.936 pessoas cometeram suicídio na Coreia entre janeiro e junho, um aumento de 8,8 em relação ao mesmo período do ano passado, conforme a Fundação Coreana para Prevenção do Suicídio (KFSP). Muitos o fizeram devido a dificuldades financeiras após anos da pandemia de Covid-19, sendo que há uma prospecção que as taxas aumentem mais.
Mais de duas em cada cinco de todas as mortes entre adolescentes (43,3%) são atribuídas ao suicídio. O número sobe para 50,6% em caso de pessoas na faixa dos 20 anos e depois cai para 47,9% para aqueles na casa dos 30 anos. Mas nem tudo é apenas sobre dinheiro. Os ideais coreanos, não só aqueles milenares baseados no confucionismo, mas também no esforço governamental para se erguer dos destroços da Guerra da Coreia de 1950, construíram uma sociedade sob altos níveis de competição e sucesso, problemas graves associados ao alcoolismo, pressão estética, solidão e excesso de trabalho.
Entre essa quantidade de problemas, a Coreia do Sul tem o maior índice de privação do sono e obsessão por remédios para dormir.
De olhos abertos
Não há estatísticas oficiais, porém, segundo Ji-hyeon Lee, psiquiatra especializada em sono, estima-se que mais de 100 mil coreanos são viciados em remédio para dormir, disse ela em entrevista à BBC. A questão já é considerada uma verdadeira epidemia nacional.
Médica na Dream Sleep Clinic, no movimentado bairro de Gangnam, em Seul, Lee relatou que costuma atender clientes que tomam até 20 remédios para dormir por noite e enfrentam uma vida insone por mais de 10 anos.
“Leva tempo para adormecer, mas os coreanos querem dormir muito rápido”, informou ela. Isso porque, normalmente, a maioria desses insones crônicos sofrem do que é conhecido como hiperexcitação, um estado de alerta aumentado causado por estresse ou trauma – duas circunstâncias que os coreanos enfrentam muito em seu cotidiano.
Portanto, quando não conseguem dormir, a maioria recorre ao consumo de álcool em cima da medicação, trazendo consequências perigosas, desde morte a outros tipos de doenças relacionadas à combinação perigosa.
Um estudo de 2009, publicado na National Library of Medicine, apontou que um em cada cinco adultos desenvolve insônia na Coreia. A prevalência do distúrbio do sono aumenta com a idade, sendo que aproximadamente 50% dos idosos têm dificuldade em iniciar ou manter o sono. O problema é categorizado por ser multifatorial, tendo o tabagismo, alcoolismo, sedentarismo, estresse, trabalho excessivo, frustração, tensão, baixa escolaridade, baixa renda e má alimentação como um dos motivos.
Sedentos por sono
A procura desesperada por maneiras para dormir fez florescer uma indústria inteira dedicada a “consertar” o sono dos coreanos. O tamanho desse mercado aumentou seis vezes nos últimos anos, de US$ 416 milhões em 2012 para mais de US$ 2,5 bilhões em 2020. Seul possui desde lojas de departamento vendendo travesseiros com componentes tecnológicos que induzem o sono a farmácias com remédios e tônicos à base de plantas.
Atualmente, as principais categorias de medicamentos muito usados pelos coreanos para dar um jeito na insônia são os benzodiazepínicos, não benzodiazepínicos e antidepressivos. Essas pílulas têm como alvo receptores no cérebro e, na prática, quanto mais tempo é usada, mas difícil se torna seu desmame. Para piorar, os pacientes não se sentem tão revigorados durante o dia quanto imaginam.
Apesar do excesso de medicamentos à disposição, a Coreia possui leis rigorosas que orientam tanto os profissionais da saúde quanto as formuladoras de medicamentos. Até mesmo compostos contendo melatonina são ilegais de serem vendidos sem prescrição médica.
Pesquisadores da Universidade Nacional de Cingapura e da empresa finlandesa de tecnologia de saúde Oura Health Oy divulgaram um estudo sobre os hábitos de sono de pessoas em 35 países, mostrando que os sul-coreanos dormem em média 6,3 horas por dia, colocando a Coreia como o segundo menor no ranking, ficando muito atrás da média da OCDE. A satisfação com o sono dos coreanos pontua apenas 2,87 de 5, exibindo um declínio consistente anualmente. A deterioração da qualidade do sono levou a uma perda econômica nacional estimada em US$ 9 bilhões, fazendo as autoridades colocaram um problema como questão de saúde pública.
Enquanto os formuladores de políticas públicas não se movimentam de maneira efetiva para resolver o problema da sociedade, as pessoas tentam alternativas até mesmo desesperadas para terem uma noite de sono decente. Esse é o caso daqueles que recorrem a templos tradicionais que se flexibilizaram e passaram a receber os privados do sono em seus espaços, onde usam a meditação e o budismo como forma de ensiná-los a assumirem a responsabilidade por seu estresse.
No entanto, médicos e especialistas alegam que pode ser muito problemático enquadrar a solução para a privação de sono e desgaste físico e mental como algo a ser tratado individualmente. Afinal, essas pessoas estão nessas condições por culpa de uma estrutura baseada no trabalho irracional e vários tipos de pressões sociais. Optar por esse método, portanto, seria o equivalente a culpar as vítimas.
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