A polícia angolana mata impunemente, recorre habitualmente à tortura para extrair confissões a culpados e inocentes, viola sistematicamente os direitos humanos e transforma Angola num “Estado de Selvajaria” que se sobrepõe ao Estado de direito. Um relatório que esta quarta-feira é apresentado em Luanda, sobre “violações de direitos humanos em algumas províncias de Angola” registadas de Abril a Junho deste ano, mostra “um agravamento” da situação.
“No período observado, ocorreu um agravamento em relação ao anterior, tendo-se registado execuções sumárias e uma morte derivada de tortura efectuada por agentes afectos ao Serviço de Investigação Criminal (SIC) no interior de uma esquadra da Polícia Nacional”, lê-se no relatório elaborado pelas associações Mizangala Tu Yenu e Handela, em representação do Movimento Cívico Mudei.
O documento traz apenas casos registados nas províncias de Luanda, Bié e Lunda Sul, mas são suficientes para “pintar um cenário preocupante”, a precisar de “mobilização urgente” contra a impunidade com que as forças policiais actuam em Angola, nomeadamente a forma como o SIC utiliza recorrentemente a violação dos direitos humanos como “instrumento de investigação”.
Um dos casos mais graves aconteceu no final de Maio no município do Kilambi Kiaxi, em Luanda. Seis homens que trabalhavam numa obra foram detidos por agentes da polícia que arrombaram a porta, dispararam para o ar e, sem nunca se identificarem, os levaram para a esquadra do Palanca 2. Aí “foram submetidos a tortura e tratamentos degradantes de tal forma violentos que, 14 dias depois, um desses jovens acabaria por perder a vida”.
Oswaldo Makwala Nzila, de 27 anos, oriundo de Cabinda e residente no bairro do Palanca, na capital angolana, acabou por sucumbir “aos ferimentos do espancamento e da falta de assistência ao longo dos 13 dias de detenção”, lê-se no relatório.
Segundo o documento, as torturas a que Nzila e os seus outros cinco companheiros de detenção foram sujeitos, nesses 13 dias em que passaram por três esquadras diferentes sem nunca terem sido formalmente acusados de nenhum crime, incluíram “pancadas com objectos como catana, martelo e taco de golfe/basebol; afogamento simulado (o chamado waterboarding); pontapés, socos, bofetadas”. Também passaram pela “infame tortura do helicóptero” que “consiste em atar os cotovelos aos tornozelos, atrás das costas, fazendo com o que o peito, apoiado no chão, forme um arco”.
Apresentados no Tribunal de Comarca de Belas a 7 de Junho, sem nunca confessarem qualquer crime apesar da tortura, foi ordenada a sua libertação com termo de identidade, tendo o líder da equipa de investigação, que as vítimas identificaram como “Faria”, sido detido, “colocado sob advertência de que seria aberto um processo por ofensas corporais que, em caso de óbito de algum dos detidos, seria agravado para homicídio qualificado”.
“Agarram-se pessoas mais ou menos ao acaso e inicia-se uma sessão de tortura até que estas confessem que mataram Jesus Cristo”, diz Luaty Beirão, do Mudei, porque, quando não se têm culpados, é preciso “inventá-los”. E este é um exemplo disso. Só que neste caso, devido à teimosia dos detidos em reconhecer a culpabilidade que não tinham, “a polícia tanto torturou os seis cidadãos, que um deles acabou por morrer”.
“A tortura como instrumento de investigação e a execução sumária como instrumento de redução temporária dos níveis de criminalidade têm sido usados ao longo de décadas pelas forças de segurança, encorajadas por superiores, com a cumplicidade dos órgãos de justiça que, a maior parte das vezes, escolhem virar a cara, fingindo não ver”, acrescenta Luaty Beirão.
O relatório também identifica casos de violência extrema aparentemente gratuita e impune, como aconteceu no Cazenga, situado ao lado do Palanca, na madrugada de 19 de Junho. Watucaneto Moreira “Zico”, agente do SIC, terá, embriagado, matado a tiro o vizinho, Francisco Adriano Manuel (o “Ti Chico”, de 65 anos), um sobrinho deste, José Paulo de Almeida (22 anos), e um neto, Bilson Paulo Gabriel (19 anos) que vinham de um velório.
Tal foi a indignação causada entre os vizinhos pelo acto do agente do SIC, “que, de forma reincidente, recorre ao seu estatuto de agente ao serviço do Estado’ para intimidar os moradores”, que gerou um protesto espontâneo dos moradores “quando a polícia proibiu os órgãos de comunicação social de registar o momento” de retirada dos cadáveres do local. Os agentes acabaram a usar gás lacrimogéneo, balas de borracha e munição real para dispersar a multidão.
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