Carrinhas “avariadas” e voos inexistentes. Incidente diplomático continua em Luanda perante coro de protesto – Observador
Um dia depois de dezenas de políticos africanos e sul americanos, bem como ativistas de diversos países terem sido retidos no aeroporto de Luanda ou deportados, os problemas continuaram, num embaraço diplomático “vergonhoso” para o Governo de Angola que continua em silêncio. Plataforma para Democratas Africanos exige pedidos de desculpa públicos e Venâncio Mondlane defende que o Estado angolano seja processado.
Esta sexta-feira, quando os convidados para a conferência “O futuro da Democracia em África”, em Benguela, saíram dos hotéis, com a garantia dada na véspera pelo Governo angolano de que providenciaria transporte para Benguela, o inesperado aconteceu. A comitiva com cerca de 35 delegados seguia em direção ao aeroporto com um batedor à frente, mas as carrinhas “avariaram” e deixou de haver aviões disponíveis para voar para Benguela. Ainda assim, o encontro decorreu: passou a integrar os convidados por videoconferência, como confirmou ao Observador Leopoldo López, o opositor venezuelano ao regime de Nicolas Maduro que faz parte do grupo que não conseguiu sair de Luanda.
O que aconteceu nestes últimos dois dias indignaram vários políticos e partidos, dentro e fora do país, e levaram a Plataforma para Democratas Africanos (PAD) a reagir num comunicado, assinado por 76 participantes na conferência, onde se incluem dois ex-Presidentes, Ian Khama do Botswana e Andrés Pastrana da Colômbia, o vice-Presidente da Tanzânia, Othman Shariff, o ex-primeiro-ministro do Lesotho, e o maior opositor moçambicano Venâncio Mondlane (que foi deportado na quinta-feira para Joanesburgo).
“A verdadeira natureza do regime angolano foi exposta. Está disposto a humilhar e a envergonhar e embaraçar antigos chefes de governo africanos e aqueles que desejam discutir a democracia, numa numa tentativa desesperada de travar a maré de progresso em direção a sociedades centradas nas pessoas em África”, lê-se na declaração da PAD.
“A Plataforma dos Democratas Africanos realizou a sua terceira reunião anual em Angola a 14 de março de 2025, apesar de todos os esforços do regime angolano para a impedir”, começa por dizer esta organização de “líderes africanos empenhados na democracia e responsabilidade”.
Explica depois que Angola foi escolhida para acolher este evento — organizado pela PAD com um consórcio internacional de democratas, incluindo as fundações Brenthurst e Konrad Adenauer e o Congresso Mundial da Liberdade — porque o país preside atualmente a União Africana. Foram convidados “vários chefes de Estado e dignitários, membros do governo e líderes da sociedade civil e partidos da oposição”.
Na lista que assina o comunicado estão não só figuras de 18 países africanos, como também de sul-americanos, alguns asiáticos, dos Estados Unidos e da Alemanha, por exemplo.
Statement by the Platform for African Democrats (PAD) on the events in Angola.
PAD held its third annual meeting on 14 March 2025, despite every effort by the Angolan regime to prevent the meeting from taking place.https://t.co/bFZ0kj8QFC
— The Brenthurst Foundation (@BrenthurstF) March 14, 2025
“O regime angolano respondeu ao encontro com os seguintes passos”, escreve a PAD, contando a seguir o que na quinta-feira foi público e o Observador noticiou.
Ex-Presidentes do Botswana e da Colômbia, Mondlane e outros políticos internacionais foram impedidos de entrar em Angola durante oito horas
“1. Foram recusados vistos a vários delegados por ‘razões técnicas’, incluindo os do Uganda.
2. Doze delegados — que possuíam vistos ou eram elegíveis para vistos à chegada — foram retidos no aeroporto e deportados antes de serem autorizados a entrar, incluindo convidados do Quénia,
Etiópia, Uganda, Tanzânia, Moçambique e Sudão do Sul.
3. Um outro grupo, que incluía o [ex-]Presidente Khama, o [ex-]Primeiro-Ministro Majoro, o [ex-] Presidente Pastrana, o Vice-Presidente Othman e 24 outros foram detidos no aeroporto durante nove horas sem qualquer explicação. Os seus passaportes foram devolvidos e foram libertados quando já era demasiado tarde para poderem apanhar o voo previsto para Benguela.
4. O governo alegou que iria compensar estas ações fornecendo transporte para levar os delegados a Benguela no dia seguinte. No entanto, várias viaturas ‘avariaram’ no dia seguinte a caminho do aeroporto, foram indicados vários destinos diferentes para o aeroporto e, por fim, não foi disponibilizado qualquer avião.”
A PAD sustenta que as ações descritas “apontam para uma campanha sistemática e cínica para atacar e minar progressos no sentido da democracia e da responsabilização em África por parte de um regime que se apresenta como uma democracia”.
Recorda ainda que “em nenhum momento foi dada aos detidos qualquer explicação para a sua detenção ou para a deportação dos outros” e foca as críticas no Presidente angolano:
“Através dos seus agentes de segurança e de imigração, o Presidente João Lourenço tem demonstrado uma relutância em tolerar até mesmo a discussão de ideias sobre democracia por parte de outros africanos preocupados em fazer avançar o continente para um futuro em que
todos os seus povos beneficiem da sua incrível riqueza de recursos”.
Os signatários, “convidados e participantes na reunião de Benguela”, condenam “estas ações
com a maior veemência possível. Apelamos ao Presidente Lourenço para que apresente um pedido público de desculpas aos [ex-] chefes de Estado que foram detidos, aos delegados que foram deportados e a todos os que foram perseguidos pelos esforços do seu regime para impedir a reunião”.
Do Palácio da Cidade Alta, até ao momento, apesar das tentativas feitas pelo Observador, não veio nenhuma resposta. Mas as críticas ao Governo angolano sucedem-se.
Othman Massoud, vice-presidente da Tanzânia foi umas vozes que se levantou em protesto no X, bem como o ex-candidato presidencial do país, Tundu Lissu, e líder do partido Chadema e um dos senadores do Quénia, Edwin Sifuna. Massoud qualificou de “vergonhoso” que “visitantes possam ser tratados desta forma num país africano quando Angola assume a presidência da União Africana”.
After being detained for eight exhaustive hours by the authorities in Angola at the Quatro de Fevereiro Luanda International Airport, I, together with other dignitaries who included former Presidents of Botswana and Colombia, former Prime Minister of Lesotho, and other national… pic.twitter.com/fORpw7CJqo
— Othman Masoud Othman (@othmasoud) March 14, 2025
Também Venâncio Mondlane, um dos mais visados pelos agentes de imigração angolanos, reagiu esta sexta-feira. “Fui o primeiro a ter o passaporte retido e a ser separado do grupo para procedimentos de deportação”, confirmou ao Observador o político que tem liderado a contestação que há quase cinco meses sacode Moçambique.
Numa das suas habituais transmissões em direto nas redes sociais, Mondlane disse que o que se tinha passado era uma “vergonha pública” e uma violação da lei angolana, pedindo que fosse aberto um processo contra o Estado angolano por violar os protocolos da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da União Africana.
“Aqui está estabelecido algo perigoso e negativo para a imagem de Angola em África e no mundo”, referiu na sua “live” na rede social Facebook, já a partir de Maputo, depois de ter sido enviado para Joanesburgo na quinta-feira.
“Nós nem sequer fomos deportados, não houve procedimentos dentro da lei que preenchessem os requisitos para que fôssemos deportados. Aquilo foi uma irregularidade ao mais alto nível. Nada foi feito segundo a lei”, declarou Mondlane.
“O dia 13 de março devia ser considerado o dia da vergonha pública em Angola”, frisou ainda o político.
“Nós conseguimos sair de Angola pela mesma companhia aérea pela qual chegámos. Obrigaram-nos a entrar no avião. Foi uma selvajaria. Nunca nos foi dada explicação alguma sobre as razões de nos negarem entrada” contou ao Observador Dinis Tivane, assessor de Mondlane.
“Retiveram-nos na zona de desembarque e iniciou-se um movimento estranho de retenção de passaportes sem explicação. Iam chamando pessoas, uma a uma. O engenheiro Venâncio Mondlane foi uma das primeiras a ser chamada para uma outra zona que era de embarque separando-o de nós. A seguir foi o Luís [Mariquele, da equipa de Mondlane]. Foi um movimento de mais de uma hora em que pedíamos explicações e nada. Só nos forçavam a entrar no avião, o mesmo que nos levou para Luanda. Resistimos o máximo que podíamos, mas vendo a hostilidade dos agentes da Migração angolana que eram telegráficos nas palavras e sempre na direção de nos escorraçarem, Venâncio Mondlane decidiu ceder e entrar no avião a poucos minutos de o avião desistir de esperar por nós, pois tinha sido retido também no aeroporto mais de uma hora, sem qualquer explicação. Muitos que saíam naquele voo [Luanda – Joanesburgo] perderam os seus compromissos e a companhia aérea Airlink teve que os os reembolsar ou providenciar hotéis”, relatou.
O ex-Presidente do Botswana, o reputado Ian Khama, que depois da “humilhação” por que passou preferiu não ir a Benguela, referiu na quinta-feira noite, num vídeo que está a circular nas redes sociais, que o ocorrido tinha sido “um grande choque” para ele. “A última vez que estive em Luanda foi a convite do próprio Presidente, João Lourenço. (…) O que aconteceu foi algo que eu nunca esperei”, referiu Ian Khama.
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