Dino d’Santiago : “Cabo Verde é uma sociedade matriarcal, mas o machismo é tão tóxico que quem toma as decisões continuam a ser os homens.” – Atual
Mais do que uma voz belíssima, é um porta-voz do humanismo e da diversidade. Não é sorte, é talento e um timing certo. Se Sara Tavares ou os Da Weasel abriram o caminho, Dino caiu no colo do tempo que já percebe o que é a diversidade e da inclusão. E ele canta-o alto e a bom som. A sua história já se conhece: os pais mudaram-se da ilha natal de Santiago, em Cabo Verde, para Quarteira, por isso Claudino nasceu algarvio, em 1983, e tinha seis anos quando conheceu as ilhas pela primeira vez. Começou a cantar na igreja, entrou para o coro dos Expensive Soul em adolescente, e aos 20 foi finalista na Operação Triunfo, levado por uma amiga que ia ao casting. Apadrinhado por Tito Paris, Virgul e Carlão dos Da Weasel, por Valete e por Sam the Kid que “abriu uma editora para editar o meu disco“, lançou o seu primeiro registo a solo, Eu e os Meus (Quarto Mágico).
Em 2009, funda os Nu Soul Family com Virgul, no mesmo ano em que regressa a Cabo Verde, desta vez só com o seu pai, uma revelação e uma descoberta da sua voz criola: nasce o Dino d’ Santiago. Lança Eva (Lusáfrica), em 2013, dedicado à sobrinha, nascida de uma gestação difícil, e arrisca lançar-se a solo. Mundu Nôbu (Sony Music) saí em 2018, com a ajuda de Branko e Kalaf Epalanga (Buraka) e Paul Seiji (Bugz In The Attic). Em 2019, arrebata os primeiros dos muitos prémios Play da Música Portuguesa que recebe, e seguem-se muitos outros, de um lado e do outro do Atlântico, e lança o EP Sotavento (Sony Music) – as suas origens estão todas no sotavento, no algarvio e no cabo verdiano, batuque e funaná, gospel e soul, embrulhados numa eletrónica que abraça. “Comecei a ouvir os meus avós, a dinâmica no interior das conversas, e comecei a escrever canções em crioulo, e vi que era mais atrevido, tirou-me a vergonha! Alguma timidez ou insegurança que eu teria na língua portuguesa. Até estou a respirar de outra maneira, encontrei uma frequência de liberdade com o crioulo. E o pessoal de lá: ‘Fogo, este gajo só pode ter nascido no interior de Santiago’. Mas não, os meus pais é que o transportaram para a minha infância, ouvia cânticos de Fátima e funáná’. E não sentia cá a raiz que Cabo Verde me dá, e me faz sentir ainda mais português! Sou grato por ter nascido cá, com os valores sólidos que os meus pais trouxeram e que são, no fundo, heranças que se casam”.
Kriola chega em 2020, Dino d’Santiago já é um artista reconhecido, transversal e do mundo. Já conhecera Madonna em Lisboa, chegou a cantar com ela Cesária Évora, e apresentá-la a Celeste Rodrigues, que acabaria por morrer meses depois, em 2017. A rainha da pop partilha um vídeo seu no Instagram, a carreira de Dino explode e as batucadeiras vão tocar a Nova Iorque. As críticas boas multiplicaram-se, na Rolling Stone como na Folha de São Paulo, e torna-se o artista unânime que é hoje, chamado para júri no The Voice da RTP, ou para fazer curadoria dos concertos, só com artistas africanos, nos Jardins de Verão na Fundação Calouste Gulbenkian. Em 2021, Dino de Santiago funda o projeto Lisboa Criola, que procura observar a diversidade que é hoje a nossa capital, e o que de bom podemos tirar dessa nova equação. A associação Mundo Nôbu, que apoia jovens nas margens de Lisboa, é a sua aposta mais recente. Vai, dia 19 de julho, encher os jardins do Marquês, em Oeiras.
Projetaste um Mundu Nôbu, em 2018, apelaste à mistura em Kriola, de 2020, e depois chega Badiu, em 2021. Influenciado pela paternidade, pelas mudanças no teu quotidiano e vida familiar. E por um contexto de pandemia que se revelou demasiado intenso.
O Mundo Nôbu é um processo de três anos – de muita pesquisa, de como fundir os mundos da música tradicional e da música eletrónica – que, de facto, não foi fácil. Eu não queria música cabo-verdiana com o tempero, com batidas, queria que fosse estilo Dino de Santiago, o que eu sou eu e sinto que encontrámos esse espaço de respeito pela tradição, pelas claves e pela história. Mas, ao mesmo tempo, transportar o universo da metrópole, de um universo urbano para a secção rítmica e para a estética que demos à minha voz, e esse compromisso ficou muito bonito e estendeu-se, depois à criação do Kriola que, por isso, veio logo mais rápido. É um disco que eu fui fazendo e era para sair logo, mas infelizmente dá-se a pandemia. Lancei uma remistura de algumas canções do Mundo Nobu, principalmente da Nova Lisboa e da Nós Funana, que já incluí no concerto. Durante esse processo fui criando outras canções que originaram o Krioula que, de repente, cai numa pandemia e houve aquela incógnita: a editora não queria lançar e eu achava que tinha de lançar porque refletia este tempo. E, de repente, é o processo do Giovanni que mataram em Bragança, depois o Bruno Candê. O disco saiu em duas fases, [a primeira a] 3 abril, o dia do aniversário do meu pai (e eu sabia que o Krioula era para um país e um mundo que estavam fechados, senti que era um álbum que ia fazer bem às pessoas, “branco com preto, a geração de ouro, muita mistura, o sul é crioulo“, tinha máximas bonitas para uma roda crioula e viver em família e felizmente bateu), correu muito bem, as pessoas ouviram muito, foi transversal.
O Badio vem quando o país abre.
Lanço logo o Badio, em 2021, queria este casamento entre os dois, porque durante o processo do Krioula também fiz canções mais densas. E foi-se agravando o mundo, de repente morre o Bruno Candê, acontece o George Floyd e, no meio dessa herança, o nascimento do meu filho durante o lançamento, foi quando comecei a questionar-me, sentia-me com muitas arestas por limar, quem sou eu agora e quem é esta criança? Senti que precisava de um apoio, iniciei a minha terapia e criei canções como o Voei de mim que fala sobre tu saíres tão por fora de ti próprio que passas por cima de ti e que não te conheces, são canções muito sérias. Como o Essa Vadia, que é o meu reconhecimento, enquanto homem, numa sociedade extremamente machista onde a mulher tem de se superar dez vezes para conseguir um espaço de diálogo, que nem é um espaço de conquista. Então fiz uma canção como se fosse uma confissão minha, homem, trazendo todos os homens que me inspiraram, e todos os que me desinspiram, e pedir perdão a essa mulher, num lugar sagrado, que é a madre. Nunca gostei, quando era miúdo, de me confessar: porque estou a partilhar com este homem, se não partilho com ninguém? E ali aproveitei esse desabafo, então sinto que é o meu disco mais importante, nesse sentido. Saiu no tempo certo, é mais intenso onde me propus a ir para o palco sozinho, nesse monólogo, nessa catarse, e levou-me para o Coliseu e para o NOS Alive, fui sozinho, para escutar o som do meu tempo, que é um beat.
Como uma caminhada no deserto.
É isso, não vais dividir a água com ninguém, és tu, e foi duro. O meu tendão de Aquiles teve uma calcificação e ainda tive de andar de bota um tempo, foi um processo de reconstrução e muita observação: o meu filho, as minhas inseguranças, aquele lugar de culpa que é uma herança da igreja católica…
Depois voltaste a ter vontade de estar numa banda, de estar rodeado.
Verdade. Neste momento, trago três músicos comigo para a estrada, a Pri, com uma formação mais jazz, e o Petty Gau, mais funk soul, que são brasileiros, e o Emídio Lobo, neto do Ildo Lobo, da Ilha do Sal, e estou a adorar. Mas só quando consegui desenvolver a estética que eu não queria perder. Desenvolvia em estúdio o nosso som português, com as suas variantes de África e, de repente, a banda parece sempre as mesmas pessoas com canções diferentes. Não é isto que oiço nas músicas do Branko, na Príncipe, nas kizombas que saem do Nelson Freitas. Foi muito trabalho e muito investimento financeiro [para] conseguirmos chegar ao meu som, criámos mesmo as nossas mesas de som. Se me ouvires em Nova Yorque ou em Tóquio, é o som do Dino. Estou contentíssimo, já só estou à espera do Cooljazz. O Cooljazz é o festival que melhor representa o papel do músico na criação de uma estética, não é só pelo artista. Voltar a fazer parte dos músicos sabe-me muito bem e posso improvisar mais, que é uma coisa de que gosto muito, também.
Vamos ter surpresas neste concerto?
A surpresa maior são canções que estou a trazer com uma nova roupagem específica, e que só vou fazer no Cooljazz. Será um concerto onde os meus músicos vão ter um papel ainda mais preponderante, com momentos instrumentais, as pessoas não vão conseguir estar sentadas, tenho quase a certeza, vai ser só beleza. A grande surpresa é teres batuque e funáná no Cooljazz – para mim, só isso já é a revolução das revoluções, trazer estes dois ritmos que foram tão censurados pelo Estado Novo, e pela corte, ainda durante a monarquia, e de repente vê-los a contagiar as pessoas.
No fundo, é o caminho que o jazz, apesar de ter raízes na folk europeia também, e o blues fizeram com as suas raízes africanas.
É verdade, passaram pelo mesmo lugar e, de repente, está a acontecer no sítio certo e com as pessoas certas.
O encontro com a Madonna também ajudou muito…
Muita gente passou a olhar para mim depois do trabalho que fiz com a Madonna, e aí devo-lhe todo o legado, por ela me ter reconhecido, por ter acreditado e querido conhecer mais e mais a nossa cultura. Foram muitas festas e muitos momentos que ela, de repente, transformou num álbum e aí as pessoas começaram a ligar as pontas e a observar o meu trabalho, e isso ajudou bastante. Esse cruzamento jogou a meu favor e a favor dela também, porque ganhou oxigénio para criar algo que nunca pensou. Tudo casou e é bué bonito. Se me perguntares, o meu maior prémio foi ver as batucadeiras a tocar em Nova Iorque e em Las Vegas e dar 80 e tal concertos, correram os Estados Unidos de uma ponta a outra, duas delas analfabetas tiveram de assinar o contrato com uma impressão digital… E vês aquelas mulheres a chegarem, no dia 12 de março, em estado de calamidade e quando fecham as portas, elas tinham um capital. Só elas dormiam no mesmo hotel que a Madonna, os outros músicos dormiam noutro hotel, foram tratadas como as rainhas que são. Porque a Madonna não percebia como é que essas mulheres não recebiam dinheiro a fazer o que faziam. “Não, a seguir elas vão trabalhar, limpar o aeroporto ou a casa de alguém, se calhar a tua”, disse-lhe, e ela conseguiu ver aquelas mulheres como artistas. Elas começaram a cobrar as aparições, já não iam pelo transporte, pela comida e pela dormida. Poder retribuir isso à cultura que me fez quem eu sou, não tem preço.
Conheci a grande cantora Tété Alhinho em Cabo Verde, uma mulher incrível que inspirou a minha crónica na Máxima sobre as mulheres cabo-verdianas. Elas são pilares sociais em todas as culturas, mas há qualquer coisa nesta mulher de Cabo Verde que é quase simbólico do matriarcado mundial.
Vou dar-te um exemplo: a mãe da minha mãe Maria, minha avó, que eu não cheguei a conhecer, entregou a minha mãe àquela que eu chamo de avó Teresa – que me inspirou a ser Dino de Santiago – e entregou-a no leito da morte, ela estava com uma doença terminal, assim: ‘Teresa, esta é tua filha.’ A minha mãe não quis assistir ao funeral, (só soube na nossa a terapia), e a Teresa (estamos a falar numa África, como numa Europa, onde os pais eram severos, e as mães também), nunca tocou num fio de cabelo da minha mãe, mas ensinou-lhe o que considerava serem os valores da mulher cabo-verdiana. Com o seu pano na cabeça e o seu pano de terra na cintura, a cuidarem das pessoas que mais precisam, a porta sempre aberta para receber, eu vi, essa era a minha mãe, essa mulher que, de repente, tem de lidar com um alcoólatra, num meio de pescadores. Sempre foi uma mulher muito respeitada no meu bairro.
Tiveste, ou tens, outros exemplos?
Da minha Balila, uma batucadeira que foi ficando cega, tem agora 90 anos, mas diz frases como: ‘Hoje eu vendo o medo para comprar coragem.’ É uma mulher que também me inspirou muito, transporta-me pela sua casa de uma forma que eu digo: ‘Esta mulher está a enganar-me, não pode ser cega.’ E a maneira como ela defende a mulher: ‘Se uma mulher não merece ser valorizada, então nenhum homem deve sê-lo’. A mulher cabo-verdiana aceita coisas que nós não temos a noção. Imagina, ela recebe filhos do marido de outras mães, das amantes, recebe-os em sua casa, trata como um deles. E nós pensamos: está a ser burra? Não, simplesmente ela sabe que aquela criança não tem culpa, e é irmã dos seus filhos. E há muito essa coisa, as mulheres juntam-se para cuidar de várias crianças, por isso é que tens as amas da Cova da Moura, mulheres que cuidam das crianças de todo o bairro, para que os pais possam ir trabalhar. E depois de uma reportagem na Mensagem, edificada por uma mulher [a jornalista Catarina Carvalho], elas passaram a ter estatutos de amas, e estão há mais de 30 anos a criar as pessoas que somos. Trabalham muito mais do que os homens, trazem o peixe, trabalham no campo. E Cabo Verde é uma sociedade matriarcal, ponto, mas o machismo é tão tóxico que quem toma as decisões continuam a ser os homens. E continuam a condicioná-las e a violá-las. Infelizmente, são coisas que continuam em silêncio, como o abuso de crianças e menores – é sombrio. Essas mulheres sabem tudo isso e, mesmo assim, conseguem que cresçamos com amor e esperança, é surreal. A minha mãe continua a dizer que a parte favorita dela continua a ser a asa, porque ela sabe que é o que os filhos não iam querer, nem o pai.
As mães portuguesas fazem o mesmo, são sacrificiais, parecem tudo aguentar, são sempre as últimas a comer ou acabam as papas dos filhos. São detalhes que dizem tudo: põem-se sempre depois.
Sempre, e continua assim. Sempre que lá vou, continua a ser a última a comer, e hoje já somos muitos e o mundo já mudou, mas continua a ser a última.
É como se os homens fossem umas eternas crianças.
É isso! E havia uma altura em que me revoltava: porque é que elas têm de aturar isto? Depois percebi, que elas conseguiram ressignificar essa dedicação e hoje sinto que elas olham para os homens como para uns pobres coitados. Não o exprimem. Mas é como acontecia com a Cesária [Évora], ela vinha para a tour e depois tudo o que sobrava no camarim, ela levava para Cabo Verde, para dar àquelas pessoas. As suas portas estavam sempre abertas para receber os sem-abrigo, os alcoólatras, os não-desejados pela sociedade. Para entrarem e serem gente. Ela fazia banquetes para essas pessoas. Era uma mulher cabo-verdiana, como não ter orgulho? E andava descalça, não porque queria, andou tantas vezes descalça, que os pés eram muito largos e os sapatos deixavam-na desconfortável. No Mindelo, tinhas um passeio para as pessoas que andavam descalças, e para as calçadas e tu não podias pisar naquele lugar dos nobres. A Cesária é uma dessas pessoas, quando a elite do Mindelo andava no andar de cima. Eu parei de julgar as pessoas, porque elas não sabem… estamos tanto nos nossos problemas, que parecem um fim do mundo, não conseguimos amplitude para ver e pensar. Mas não precisamos de ir aos livros para ver o que está acontecer na faixa de Gaza…
Sempre tiveste essa vontade de ver a grande fotografia do mundo?
Ya, mas porque tive de viver muito o mundo na minha mente, estás a ver? Então, como sempre, fui muito curioso, sempre quis saber, e o meu pai mostrava-nos o mapa-mundo. E contou-me a História, sempre amei História, a História da Arte veio depois, sempre fui fascinado pelo período das guerras, a Bíblia também te traz muita História. Esse olhar curioso Indiana Jones era especial para mim, porque me trazia muito mundo e sempre me fascinou. Então, de repente, bates de frente com a História de todas essas cidades icónicas. Quando cheguei a Nova Iorque, parecia que já lá tinha estado, porque já tinha devorado tudo nos filmes, foi impactante estar ali no Central Park a tocar para aquela gente, eu a pensar: “Fogo, como é que eu nasci no bairro dos pescadores e agora estou aqui no Central Park?” Só porque comecei a cantar em crioulo. Olha só como é a cena! E agora tenho de tirar o só. Mas é forte. E levou-me à Coreia do Sul… Fogo.
E como está a ser a aventura da paternidade?
O Lucas foi meu primeiro, hoje tem três anos, e a Cleo vai fazer 11 meses, e a primeira coisa que fiz foi criar uma ONG que se chama Mundu Nôbu, para trabalhar a transição mais difícil dos miúdos da periferia, entre os 15 e os 22 anos. Tenho uma pessoa maravilhosa, a Liliana Valpassos, lá está, uma grande mulher, que trabalhou na Fundação Luso-americana e que se juntou a mim na abertura deste novo projeto. Já fomos aos Estados Unidos, primeiro Nova Iorque, Chicago e Boston, para ver estabelecimentos prisionais, casas e associações que trabalham com miúdos que vivem em situação de muita vulnerabilidade. Encontrámos um projeto no Harlem que poderíamos transpor para Lisboa chamado The Brotherhood Sister Sol. Há 30 anos que eles desenvolveram uma metodologia que investe nos sonhos destes miúdos, em vez de tentarem que eles sejam cordeiros ou comecem a pensar todos em ser médicos, ou isto ou aquilo. Dos 15 aos 22 anos eles vão desenvolver, com esses miúdos, aptidões e habilidades para eles conseguirem, pelo menos, aproximarem-se de se formarem, com base nesse sonho. Porque a grande limitação destes bairros é a esperança.
Fala-nos mais desse teu Mundo Nobu.
Nasceu agora, já temos um espaço lindíssimo, em Alvalade e vai tirar 160 miúdos dos bairros da Grande Lisboa. Um grande concurso vai ser levado às escolas, com a ajuda das associações dos bairros, para também possam saber que miúdos estão em situações mais vulneráveis a nível familiar, entre outras coisas, e durante seis anos vão ser acompanhados por monitores que vão estar 24 horas disponíveis para eles. Vem uma equipa dos Estados Unidos para dar formação a estes monitores, que vão sair desses bairros, para que haja uma familiarização entre os miúdos. A Ordem dos Psicólogos está connosco, a Câmara Municipal de Lisboa apoiou o projeto. Claro que pode ser também Amadora, Sintra, Loures, mas começamos em Lisboa. Vão ter contato com as universidades, vão ter literacia financeira, exercícios de cidadania, para começarem a encontrar o seu lugar e poderem ser ativos e sentirem que este lugar também lhes pertence, independentemente da história das suas raízes. E fazer a valorização das suas raízes, ter contacto com tudo o que de mais maravilhoso se faz na nossa África lusófona, e trazer pessoas que os inspiram. Levá-los a estádios de futebol, a museus, com os contatos da nossa rede. E investir na auto-eficácia: acreditas em ti e na capacidade de acreditar em ti, a probabilidade de conseguires atingir, e ultrapassar, as metas necessárias para chegar ao teu lugar de essência, é muito maior. É esse investimento no autodesenvolvimento, na crença em si próprio, porque perdes essa oportunidade quando nasces num sítio que não te dá condições para ser um ser humano. E quando nasces num país onde não tens um cartão de cidadão, alguma coisa está errada. A lei já diz que quem nasce neste país tem direito a ser português, mas na prática… Os miúdos levam com uma porta fechada e nunca mais voltam e reduzem os seus sonhos a serem o filho do pedreiro e da empregada doméstica. Apesar de já haver gente a formar-se, ainda não é suficiente. Começa aí, porque muitos não acreditam que a universidade é para eles. É nessas idades que estamos a fazer o nosso investimento, e vão ser seis anos que espero que sejam os mais bonitos. E, para os meus filhos, é o melhor legado que posso deixar é esse: saberes devolver à comunidade e esperançar.
Nem sempre é fácil, também, para o branco português, falar e ajudar destes temas, não só pelos traumas de guerra e por terem sido retornados, que voltaram sem nada… é que nós já não temos nada que ver com o que os nossos antepassados fizeram, e estamos sempre cheios de rótulos de privilégio.
É verdade também. É um trabalho que temos de fazer juntos. E tem sempre de haver aliados, com a experiência, os contactos, a forma de comunicar que consegue abrir portas que vão ser muito importantes para estes miúdos, e que, se calhar, nós levaríamos 10 anos a conseguir. Então, estás a utilizar o teu privilégio pela causa, e isso é maravilhoso. Eu vou abrindo as minhas portas, porque olham para mim como o Dino, e já está. Agora, finalmente, todas as vozes são vozes. A pandemia ampliou tudo isto, porque começaste a olhar para o mundo e, de repente, aquilo deixou de fazer sentido.
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