Desigualdades significativas, pobreza, educação de baixa qualidade, saúde deficiente, fome, questões sanitárias e sociais sãos alguns problemas identificados por peritos da ONU em Angola, que recomendam reavaliar os subsídios aos combustíveis para aliviar o custo de vida.
Os dados constam de um relatório preliminar da perita independente das Nações Unidas que avalia os efeitos da dívida externa sobre os Direitos Humanos, Attiya Waris, e foram esta quarta-feira apresentados no final de uma visita a Angola, realizada entre os dias 8 e 17, a convite do Governo.
“Na sequência de uma guerra civil de 27 anos que terminou em 2002, Angola alcançou uma relativa estabilidade política, mas continua a debater-se com uma fragilidade socioeconómica agravada por questões como os fluxos financeiros ilícitos e a corrupção, que afetam significativamente as receitas nacionais”, concluiu a perita independente.
Attiya Waris assinala que a grande dependência de Angola do seu setor petrolífero tornou a economia vulnerável a choques externos, “levando a desafios na estabilidade macroeconómica e uma diversificação económica limitada”, que seria crucial para um desenvolvimento sustentável da economia.
Embora destaque os esforços desenvolvidos nos últimos cinco anos, em termos da formalização dos sistemas, reforço da gestão macroeconómica e melhoria da governação no setor público, a perita sublinha também que “Angola continua a debater-se com desigualdades significativas e condições de vida difíceis”, já que grande parte da população vive com menos de um dólar por dia.
“A perda de receitas durante a administração anterior resultou na incapacidade de fazer investimentos nos setores sociais, o que conduziu não só a uma limitação das infraestruturas, mas também a uma baixa qualidade da educação e da saúde, fazendo de Angola um dos países com o índice de capital humano mais baixo (0,36 em 2020)”, lê-se no documento consultado pela Lusa.
Consequentemente, “mais de 25% dos agregados familiares têm crianças em idade escolar que não se encontram matriculadas no sistema de ensino, o que sugere um elevado risco de pobreza intergeracional”.
A perita manifestou preocupação com a elevada taxa de pobreza em todo o país, que faz com que Angola pareça um país de baixo rendimento (LDC) e não um país de rendimento médio, bem como “as graves condições de vida” nos bairros informais, que são deploráveis, incluindo a falta de alimentos, água potável e saneamento e eletricidade.
Situação da saúde comunitária em Angola “está difícil e complicada”, diz ONG
As alterações climáticas que agravaram a seca no sul do país deixaram 31,2% da população em situação de insegurança alimentar grave em 2023, contribuindo para a desnutrição ou atraso de crescimento, que é generalizada em Angola, afetando cerca de 43,6% das crianças com menos de cinco anos de idade, indica-se no relatório preliminar.
Attiya Waris constatou que existe uma prevalência de mal nutrição e casos de crescimento atrofiado em crianças com menos de 15 anos, sugerindo deficiências na proteção social neste grupo etário que representa a maioria da população angolana, e criticou o facto do programa de merenda escolar não ser efetuado em todas as escola todos os dias.
“Para além disso, os programas alimentares também aumentaram antes das eleições e diminuíram depois delas em vários casos”, diz-se no relatório.
Violência doméstica, abuso e exploração infantil, trabalho forçado e tráfico sexual, com casos de raptos tanto nacionais como estrangeiros, são outras preocupações de Attiya Waris.
Nas suas observações preliminares sobre a forma como os recursos fiscais do país têm sido utilizados e como contribuem para a efetivação progressiva dos direitos humanos, a perita aconselha a que as decisões financeiras apoiem e mantenham os padrões de vida, através da transparência, prestação de contas, responsabilidade, eficiência e eficácia num contexto de equidade e justiça.
No entanto, assinala que os orçamentos e despesas públicas em Angola não estão à disposição dos cidadãos, defendendo que o Governo de Angola continue a incluir os seus cidadãos na tomada de decisões financeiras.
Por outro lado, refere “com apreço que o governo de Angola localizou bens ilegalmente retirados do país e encoraja o Estado a implementar as suas diretrizes para uma recuperação efetiva desses ativos”, apelando à comunidade internacional que apoie estes esforços.
O relatório aborda também a retirada dos subsídios aos combustíveis, alertando para a subida dos preços dos alimentos, que afetou negativamente a população mais vulnerável.
“Os preços dos bens de primeira necessidade, como os ovos, já aumentaram cerca de 400%, que é um dos alimentos que tradicionalmente constituem uma forma barata de proteínas, especialmente para as crianças”, refere.
O relatório termina com recomendações ao Governo angolano, encorajado a juntar-se “ao clube dos devedores” e assumir a liderança com o Egito nesta iniciativa.
Attyia Waris defende também incentivos à utilização de serviços bancários móveis para “afastar a economia do numerário”, reconsiderar os subsídios aos combustíveis, a fim de reduzir o custo de vida, elaborar um orçamento voltado para as crianças, criar e manter um registo de crianças desaparecidas e garantir que todas as casas em Angola tenham acesso a eletricidade e água.
Durante a visita, a perita reuniu-se com membros do executivo angolano, representantes do setor financeiro e bancário, organizações internacionais, académicos e sociedade civil e visitou várias comunidades em Benguela e Luanda.
O relatório completo da visita será apresentado na 58.ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em março de 2025.
Os peritos independentes não são funcionários da ONU e fazem parte dos procedimentos especiais do Conselho dos Direitos Humanos que visam apurar factos ou acompanhar situações específicas de países.
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