A morte do montanhista mineiro Marcelo Delvaux, numa greta do glaciar da montanha Coropuna Oeste, levanta mais uma vez a questão sobre os limites da segurança da prática desse esporte cada vez mais difundido. Escalar montanhas sempre foi um esporte de alto risco, que foi facilitado (até a página 2) pelo desenvolvimento de equipamentos cada vez mais sofisticados que não apenas são mais leves, aliviando o peso que o praticante precisa carregar morro acima, mas também mais acessíveis a um número maior de praticantes. Mochilas ultraleves, um número infinito de agências especializadas e geolocalizadores que dão uma sensação de maior segurança (ao menos para um resgate em caso de emergência) têm atraído uma verdadeira multidão para os cumes mais badalados em busca de um Instagram cheio de likes.
Mas há um fator que nenhum equipamento consegue driblar, e que tem tirado o sono dos montanhistas mais experientes: as mudanças climáticas, que derretem o gelo dos picos mais altos, mudando a paisagem em um patamar que faz com que a rota percorrida na temporada passada se revele inviável ou, no mínimo, um novo desafio a mapear. A montanha que estava aqui no ano passado não é mais a mesma que vai se deixar escalar nesta temporada.
“Antes, nos guias de escalada, você tinha fotos de áreas cobertas de neve, teoricamente perfeitas para escalar, mas hoje você chega lá e vê que estão totalmente desatualizados, não existe mais essa cobertura”, contou Hauck ao blog em novembro de 2022. O problema da falta cada vez maior de neve nas altas montanhas, em especial nos Andes, continuava ele, “é que se trata de uma região de rocha muito fraturada, na qual o gelo funciona como um cimento que mantém a superfície unida”. Se esse cimento derrete, a probabilidade de acidentes aumenta exponencialmente.
Gretas nas montanhas são frequentes, e os guias conseguem driblar as mais profundas, quando identificadas anteriormente, com escadas estendidas sobre seus vãos. Mas muitas surgem do nada, em meio à temporada, seja por uma avalanche, ou por uma sequência de dias mais quentes que o previsto que derretem suas coberturas geladas. E são elas as maiores ameaças aos montanhistas mais experientes.
Pelo que indicam as primeiras avaliações do acidente sofrido por Delvaux, conforme descritas pelo amigo e montanhista Pedro Hauck em seu site Alta Montanha, a rota que o mineiro seguia para buscar o cume se interrompeu a uma altitude de 6.300 metros, pouco antes do topo. Eram 15h do dia 30 de junho quando seu rastreador de GPS se imobilizou, mandando sinais confusos para o tracklog, que registra o caminho percorrido pela pessoa. Essa confusão, para quem conhece os equipamentos, é sinal de que algo deu muito, muito ruim.
“Quando vi este tracklog e plotei no Google Earth”, relata Hauck, “vi que era um local onde o glaciar ganhava inclinação e, com isso, ficava cheio de gretas”.
A equipe acionada para tentar o resgate de Delvaux encontrou sua barraca a 4.880 metros de altitude, vazia. Dali seguiram para o cume, pelo caminho que ele deveria ter seguido, até encontrarem uma greta tapada por neve pouco densa que mal cobria um fundo buraco. Ao lado, dois bastões de trekking contavam alguma coisa. “Talvez na subida Marcelo sinalizara com este equipamento o melhor lugar para atravessar, mas na descida ele acabou perdendo sustentação e nosso amigo desapareceu em seu interior frio e escuro”, relata Hauck em seu site. A greta, acrescenta, era tão profunda que não era possível enxergar Marcelo lá dentro.
De tão fina, a neve não permitia ancorar os equipamentos necessários para se tentar uma descida de rapel para tentar localizar Delvaux, vivo ou morto. “Era muito perigoso! A profundidade da greta explicava por que Marcelo não acionou o botão de SOS do GPS. A queda muito provavelmente foi fatal”, admite.
Muitos comentários nas postagens sobre o acidente de Delvaux perguntam por que não se resgata o corpo dele de onde quer que tenha caído. Pode-se lembrar aqui o caso do indiano Anurag Maloo, que conseguiu sobreviver a uma queda de 70 metros ao cair de um degrau na montanha Anapurna, no Himalaia, no dia 17 de abril do ano passado. Ele foi resgatado por uma equipe especializada polonesa, três dias depois do acidente, e ficou meses se recuperando de fraturas e queimaduras em um hospital especializado em Nova Delhi.
O caso de Maloo é, além de milagroso, exceção total no mundo do montanhismo. As dificuldades que representam esse tipo de resgate em altitude são imensas, a começar pelo fato de que a maioria dos helicópteros não consegue sustentação em grandes altitudes e que as mudanças bruscas de temperatura costumam cobrir os próprios buracos em minutos. São dezenas os corpos que dormem congelados pelas encostas de montanhas. Será esse o caso de Delvaux? É possível —provável, até. Ainda é cedo para saber. Só o que é possível afirmar é que, infelizmente para quem fica na saudade desse grande montanhista, ele morreu fazendo o que mais gostava. Isso é para poucos.
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