- Author, Marina Rossi
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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O aumento de casos de coqueluche na Europa no primeiro semestre deste ano acendeu um alerta transcontinental.
Na semana passada, a agência de saúde francesa Santé Publique emitiu um relatório afirmando que os indicadores de vigilância confirmam “uma situação epidêmica estabelecida no território”.
A agência alerta para o fato de que a magnitude do pico e a duração do ciclo epidêmico não podem ser previstos e pede “vigilância acrescida” durante os Jogos Olímpicos de Paris, que começarão em 26 de julho.
Em abril, a França registrou 1.400 casos da doença. Ao passo que, em maio, o número já havia mais que dobrado, para 3.000, de acordo com um comunicado do Instituto Pasteur.
Esse crescimento dos casos na Europa, que vem sendo percebido desde o ano passado, sinaliza que “situação semelhante poderá ocorrer no Brasil dentro de pouco tempo”, segundo nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde no início de junho.
Ainda segundo a pasta, a queda nas coberturas vacinais é apontada como principal razão para o alerta sobre a doença, cujo maior sintoma é a tosse aguda e persistente.
Isto já está sendo refletido diretamente na rotina dos atendimentos médicos.
“Temos visto esse aumento de casos no nosso dia a dia”, afirma à BBC News Brasil Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emilio Ribas e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia.
O Ministério da Saúde registrou neste ano, até 6 de junho, 115 casos da doença, frente a 217 no ano passado todo.
A infectologista explica, no entanto, que o diagnóstico da doença não é tão fácil de detectar, o que pode levar a um número real maior do que o registrado.
Somente no Estado de São Paulo, o mais populoso do país, foram registrados 139 casos da doença até o dia 8 de junho, diante de 16 casos ao longo do ano passado inteiro, segundo a Secretaria de Saúde do Estado.
Isso representa um aumento de mais de 700%.
Essa discrepância entre os números nacionais e os de São Paulo pode ter relação com as notificações de casos da doença.
“Os municípios realizam os registros, que são compilados pelos Estados, podendo ocasionar uma demora no envio e registro das informações em nível nacional”, disse o Ministério da Saúde, em nota.
Por isso, os números de notificações podem aumentar significativamente nos próximos meses, quando novos dados forem computados no sistema nacional.
O sintomas e estágios da coqueluche
A coqueluche é uma doença infecciosa aguda, causada por uma bactéria, e que compromete especialmente o sistema respiratório.
Seu tratamento é feito com antibióticos específicos, que devem ser prescritos por um profissional da saúde.
De acordo com o Ministério da Saúde, os sintomas podem se manifestar em três níveis.
No mais leve, a doença pode ser confundida com um resfriado, pois é caracterizada por mal-estar geral, coriza, tosse seca e febre baixa. Esses sintomas podem durar semanas e é neste período que a transmissão é maior.
No intermediário, os acessos de tosse aumentam. Por último, a tosse é tão intensa que pode comprometer a respiração, além de causar vômitos e cansaço extremo.
Geralmente, os sintomas da coqueluche duram entre seis a dez semanas, podendo se estender por mais tempo.
Rosana Ritchmann afirma que, por ser uma doença facilmente confundida com um resfriado e como seu diagnóstico depende de um exame laboratorial, o tempo que se leva para buscar ajuda é crucial.
“Normalmente, viroses como a influenza, duram de cinco a sete dias”, diz a infectologista.
“Uma tosse seca, que já dura duas ou três semanas, é sinal para se preocupar”.
Por não estarem com o esquema vacinal completo, bebês até 6 meses de idade são os mais suscetíveis às formas mais graves da doença, que incluem infecções de ouvido, pneumonia, parada respiratória, desidratação, convulsão, lesão cerebral e até óbito.
O tempo que os sintomas começam a aparecer desde o momento da infecção, é de, em média, 5 a 10 dias podendo variar de 4 a 21 dias.
A doença é de alta transmissibilidade, ocorre por meio do contato com uma pessoa contaminada por meio de gotículas de tosse, espirro e até mesmo ao falar.
“O poder de transmissão da coqueluche é muito alto”, alerta Richtmann. A estimativa é que um doente pode infectar de 12 a 17 pessoas.
O último ano em que ocorreu um óbito registrado em decorrência da doença foi em 2020, com um registro.
Desde 1998, início da série histórica de registros da doença pelo Ministério da Saúde, 2014 foi o ano com o maior número de casos: 8.614.
Prevenção
Trata-se da Pentavalente, que previne não só a coqueluche, mas também difteria, tétano, hepatite B e influenza B, e deve ser dado aos 2, 4 e 15 meses, e, novamente, aos 4 anos de idade.
Rosana Richtmann explica que, uma vez o esquema vacinal esteja completo, a imunização dura, em média, dez anos.
Por isso, é recomendado que adolescentes e adultos se vacinem a cada década, algo que não está previsto no sistema público.
A infectologista explica que quem já teve coqueluche pode ter novamente, por isso é importante estar com a vacinação em dia. “Adultos também podem pegar a doença”, diz.
Embora, neste caso, os sintomas sejam, na maior parte das vezes, mais brandos.
A bactéria Bordetella Pertussis, que causa a coqueluche, foi descoberta em 1906, pelo imunologista belga Jules Bordet e pelo francês Octave Gengou. A descoberta rendeu a Bordet o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1919.
A vacina, no entanto, só foi desenvolvida em 1926 e é oferecida pelo SUS desde a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em 1975.
A coqueluche, também chamada de tosse comprida, ja foi uma doença muito comum. De acordo com o Ministério da Saúde, no início da década de 1980, eram notificados 40 mil casos por ano no Brasil.
A popularidade da doença e a facilidade com quem era espalhada fez com que seu nome virasse uma expressão para se designar a uma nova moda, algo que pegava fácil: a coqueluche do momento.
Desde então, o registro de casos da doença vem caindo, sendo que, a partir de 1995 com mais intensidade.
Queda da cobertura vacinal
Dados do DataSUS consultados pela BBC News Brasil mostram que, nos últimos anos, houve uma queda na cobertura da vacina contra a coqueluche em todo o país — assim como ocorre com os imunizantes para outras doenças.
Em 2015, 96% do público-alvo havia tomado a vacina, mas esse índice tem caído, chegando a 77% em 2022, último ano dos dados disponíveis no sistema.
Renato Kfouri, presidente do departamento de imunizações sociedade brasileira de pediatria, explica que, no caso da coqueluche, a percepção de risco baixa é o pano de fundo para essa redução da cobertura.
“Quando você convivia com essas doenças, você dava um jeito de se vacinar”, diz.
“À medida que você não se sente mais ameaçado, isso vira um campo fértil para as fake news, para o movimento anti-vacina”.
Para Kfouri, é preciso melhorar o acesso e criar medidas de incentivo para que as pessoas levem as crianças ao posto de vacinação. “A lei permite faltar um dia no trabalho para doar sangue. Deveria existir algo parecido para se vacinar”.
O médico afirma que a doença tem um caráter cíclico, baseado na imunidade conferida pela infecção natural, pelas vacinas e pelas variações da bactéria.
De fato, uma nota do Instituto Pasteur aponta que a epidemiologia da coqueluche geralmente segue um padrão cíclico de três a cinco anos, com os últimos picos registrados em 2012-2013 e 2017-2019.
No entanto, o instituto faz um alerta: “O atual ressurgimento da coqueluche poderá ser esperado, mas, por outro lado, é particularmente intenso”.
Diante do cenário, o Ministério da Saúde afirmou à BBC News Brasil, por meio de nota, que “reforçou as recomendações de fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica da doença no Brasil”.
Entre as ações, a pasta inclui alertas aos profissionais de saúde da área assistencial, investigação de contatos de casos confirmados, oferta de tratamento, além de ampliação do uso da vacina para profissionais de saúde que atuam em atendimentos de ginecologia, obstetrícia, pediatria, além de doulas e trabalhadores de berçários e creches com crianças até quatro anos.
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