ANÁLISE || À seleção da Turquia falta quase tudo para ser tão forte como Portugal, a Portugal fez falta ter bolas paradas como as turcas para ser o mais forte deste Euro. Os turcos fizeram com 11 cantos o que os portugueses não fizeram com 47, mas tanto uns como outros estão fora do Euro – e Roberto Martínez podia aproveitar isso para ir jantar com Vincenzo Montella e obter informações sobre o curioso laboratório turco de bolas paradas
Roberto Martínez fez marketing com as estatísticas, “conseguimos 11 cantos, tivemos mais posse de bola e merecíamos ter vencido”, disse o selecionador depois da derrota com a França mas sem dizer o que é que Portugal fez com esses cantos – praticamente nada – e com os outros 36 que Portugal teve no Euro – absolutamente nada. Mas se é para fazer marketing, vamos a isso: Portugal é a equipa do Euro com mais ataques, 379, bem mais que Alemanha e Espanha, muito mais que França, extremamente mais que Inglaterra e violentamente mais que os Países Baixos, que fizeram menos 127 ataques que nós. Quantos golos têm os Países Baixos? Nove. Portugal tem cinco e sai do Europeu com esse feito agoniante de ter estado seis horas sem marcar um golo.
Mais marketing: Portugal é a equipa do Euro com mais dribles, bem mais que Espanha e França e muito mais que Inglaterra – e a Turquia, que é a quinta seleção com mais dribles, tem menos 61 que Portugal. Quantos golos tem a Turquia? Oito. Outro marketing, este artigo é afinal um estudo das habilidades comunicacionais de Roberto Martínez, que, a partir do conhecimento que acha que tem das nossas necessidades e da nossa psicologia, tende a dizer frases que ele pensa serem eficazes mas que na verdade não se adaptam ao mercado da nossa inteligência: Portugal é a seleção do Euro com mais passes feitos mas não é a seleção que passa melhor, isso é a Alemanha, a Alemanha é que tem a maior percentagem de sucesso entre os passes que faz e os passes que falha – e a Alemanha sabe passar até ao golo, tem 11, cinco num só jogo (Escócia) e seis nos outros todos.
Agora péssimo marketing: onde é que Portugal não lidera?, não lidera no número de remates feitos, no número de remates enquadrados mas lidera no número de remates bloqueados por adversários; Portugal não lidera obviamente nos golos marcados, há até uma seleção que fez menos um jogo que Portugal mas que tem mais dois golos (Áustria) e há outra com menos um jogo que Portugal e que tem o mesmo número de golos – a nossa querida Geórgia. Ah, os colossos ofensivos Roménia e Eslováquia têm apenas menos um golo que Portugal mas também têm menos um jogo, mas chega de marketing mau, vamos ao marketing do contraditório: um leitor atento dirá ao autor deste artigo que “sim, sim, tudo certo mas a França tem três golos” e a resposta que dou é sim, sim, tudo certo mas isso é problema deles que estão nas meias-finais, que excelente marketing para eles, e enquanto isso o nosso problema é termos caído nos quartos de final num jogo em que tivemos 11 cantos depois de outros 36 nos jogos anteriores e saímos desses 47 momentos sem um golo feito – e depois a Turquia tem quatro cantos no jogo com Áustria e faz dois golos com eles e com os Países Baixos tem sete cantos e faz um golo a partir de um deles, pausa: este parágrafo foi muito cansativo, perdão por tantos números, mas são números que não se cansam de nos provar que a seleção portuguesa desconsidera as bolas paradas.
E agora marketing disfuncional, que funde marketing positivo com marketing negativo: Portugal é a seleção que fez mais cruzamentos no Euro, todas as outras equipas estão incomparavelmente longe desse nosso número mas nós estamos indecentemente longe das que cruzam melhor – quando se avalia a relação entre cruzamentos feitos e os cruzamentos que chegaram mesmo aos nossos jogadores em vez de serem intercetados, quando se avalia isso somos a 18.º seleção do torneio: estamos atrás de Chéquia, Sérvia, Polónia, Inglaterra, França, Albânia, Eslovénia, Croácia, Dinamarca, Países Baixos, Escócia, Eslováquia, Itália, Turquia, Áustria e das inevitáveis Alemanha e Espanha, as melhores deste Euro nisto dos cruzamentos bons e porventura em tudo o resto (aquilo entre alemães e espanhóis foi mesmo uma final a sério). 35% dos cruzamentos espanhóis vão ter com alguém deles, nós estamos nos 21% e este assunto conduz-nos aos cantos, que à sua maneira – ou em toda a maneira – são cruzamentos: aliás, para uns são mais do que cruzamentos, são mesmo uma espécie de penálti (turcos), para outros são uma espécie de pontapé de baliza (portugueses).
Quando se tem 47 cantos num Euro, e ninguém tem tantos, é expectável que saia qualquer coisa dali – e qualquer coisa é um golo, um golo de 47 cantos dá 2,1% de eficácia, não estamos sequer a pedir os 27% de eficácia dos turcos nos dois jogos que tiveram a eliminar. Quando se é forte, e nós somos, e quando se joga com um forte igual, e França é isso, 2,1% pode ser o marketing perfeito para se levar para a conferência de imprensa – mas dizer que tivemos 11 cantos, dizer isso assim como se fosse argumento seja lá do que for, dizer isso dessa maneira nem sequer é marketing, é humor.
nota final que não tem nada que ver com cantos É muito bizarra a maneira como a UEFA fez estes emparelhamentos da fase a eliminar – houve um Países Baixos-Áustria na 3.ª jornada da fase de grupos e só não houve outro apenas com os oitavos pelo meio porque a Turquia eliminou a Áustria. Mais: os Países Baixos chegam às meias-finais a jogar contra a Turquia e a Roménia, equipas de segunda linha apesar de toda a bondade do seu futebol, enquanto França teve Bélgica e Portugal, equipas da linha que sabemos – e, se chegar à final, França tem Áustria, Países Baixos (contra quem pode jogar de novo), Polónia, Bélgica, Portugal e Espanha no caminho – não é comparável ao que se passa nem com Inglaterra nem com Países Baixos. Para fechar: a Áustria, que venceu o grupo da França e dos Países Baixos, está fora do Euro mas os segundos e terceiros classificados desse grupo chegam às meias-finais; a Turquia eliminou a Áustria, primeira do grupo da França e dos Países Baixos, mas perde com os neerlandeses, que por sua vez tinha perdido com os austríacos – o futebol não tem lógica nenhuma, isso é tão bom e tão bonito.
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