Consultor considera que falta a Cabo Verde políticas públicas para promover o modelo mutualista e cooperativo

“Cabo Verde tem parado no tempo, desde de 1991 a esta parte, no que se refere à questão do modelo organizacional cooperativo”, constatou Jacintos Santos, em entrevista à Inforpress, a propósito do Dia Internacional da Cooperativa, que se assinala hoje.

Responsável pelo Departamento de Educação e Promoção Cooperativa e Coordenador dos Centros Regionais de Promoção e Desenvolvimento Cooperativo entre 1976 e 1989, Santos começou por fazer uma retrospectiva da chegada deste modelo financeiro ao arquipélago a partir de 75.

Segundo o especialista, as cooperativas trouxeram trouxera vários ganhos ao país, após à independência nacional, em 1975, período em que a população mais carenciada do meio rural e mesmo das cidades enfrentava o problema da escassez dos produtos da primeira necessidade.

Sublinhando que o modelo cooperativo chegou a abranger os sectores da agricultura, pesca, criação de gado, pequenas indústrias e artesanato até ao início do ano 1991, data da mudança do regime político e económico, em que passaram a ser priorizadas as sociedades comerciais, deixando praticamente de lado o modelo cooperativo.

Referiu que alterações havidas em 1999, ano em que as cooperativas passaram a ter o estatuto de sociedades comerciais, não foram as mais adequadas”, pois, “contribuíram para uma diminuição residual das sociedades cooperativas no país”.

Prosseguiu, lembrando que em 2017, também houve uma alteração em alguns dispositivos específicos na lei, porém as sociedades cooperativas continuaram com o mesmo estatuto de sociedades comerciais, o que, na sua opinião, não corresponde, nem na doutrina nem na prática, aquilo que foi a trajetória histórica deste modelo organizacional, social e económico no país.

E chamou a atenção para o facto de Cabo Verde não estar a acompanhar as recomendações, tanto da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como das organizações cooperativas da região da CEDAO, o que espelha, criticou, “uma falta de políticas públicas” para fomentar esta forma de organização empresarial de base associativa.

“Do meu ponto de vista Cabo Verde está a perder muito com isto”, lamentou, enfatizando que países nórdicos consideraram as cooperativas como sociedades comerciais normais, referindo-se que em Marrocos pode-se constituir uma cooperativa com apenas três pessoas.

“Cabo Verde tem parado no tempo, desde de 1991 a esta parte, no que se refere a questão do modelo organizacional cooperativo”, considerou.

Jacinto Santos disse ainda que as Nações Unidas aprovaram uma resolução recentemente sobre o papel das organizações de economia social, incluindo as cooperativas, no desenvolvimento sustentável, o que também aconteceu com as agências especializadas, disponibilizando um conjunto de instrumentos, materiais didáticos e ferramentas de gestão cooperativo.

Porém, considerou que Cabo Verde tem passado ao lado de tudo isto.

“O nível de desenvolvimento do tecido económico empresarial cabo-verdiano, o nível da pobreza, a desigualdade social, bem como pessoas que por razões várias não conseguem ter acesso ao financiamento, são razões que poderiam fundamentar a criação de uma política pública para promover o acesso à economia, através de unidades de cooperativa de várias dimensões”, notou.

Ressalvou que para tal, é preciso a criação de uma política pública, estribada em um quadro jurídico, institucional de apoio técnico favorável, que permita o acesso ao financiamento, levando em conta as características das sociedades cooperativas, de acordo com as várias recomendações da OIT.

Além do mais, lembrou que Cabo Verde e a União Europeia têm acordo de convergência técnica e normativa, mas disse ter havido contradição, uma vez que a UE já lançou um segundo ou terceiro programa de desenvolvimento ligado à economia social, mutualidade, empresas sociais, e que mesmo assim, o arquipélago país não está a acompanhar e a tirar proveito.

Precisou que com este acordo o país pode usufruir de assistência técnica, formação para técnicos, montagem de um programa de apoio e vários outros mecanismos.

Jacinto Santos asseverou que o país não tem técnicos especializados na administração pública em número significativo para trabalhar na promoção, fomento da organização e gestão de sistema cooperativo.

Frisou que dos poucos que ainda existem, todos vieram da década de 70, mas que somente um número reduzido poderá estar a desenvolver esta função na administração pública.

“As vezes fico sem perceber como é que Cabo Verde está a lidar com este problema, porque neste momento em termos da administração pública, o país não tem competência institucionalizada para lidar com este aspecto importante da organização do modelo económico do país, porque em termos de instrumentos, políticas e estratégias não existe praticamente nada”, rematou.

Além do mais, fez saber que a OIT produziu recentemente um manual de orientação de políticas para ajudar os governos que queiram implementar políticas de desenvolvimento cooperativo que mais se adaptam à sua realidade.

Algo que também, adiantou, foi criado aos países da CEDEAO, baseado num código com enquadramento internacional para fomento das sociedades cooperativas, devendo ser aplicado à realidade de cada país.

“No entanto, dos quinze países da CEDEAO, somente Cabo Verde ainda não subscreveu a esta orientação”, denunciou.

De acordo com Jacintos Santos, na nova estrutura governamental, cabe ao Ministério da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social, desenvolver a economia social solidária no país e reconheceu que algum passo foi dado, mas advogou que ainda se está muito longe de ter um desenho da política pública para promover o desenvolvimento do empresariado de âmbito social em Cabo Verde”.

Aquele consultor defendeu que o sistema cooperativo permite aos cabo-verdianos, principalmente os jovens, obter um conjunto de vantagens, desde partilha dos riscos e dos dividendos, bem como a facilidade no acesso partilhado dos recursos financeiros, espaço físico, entre outras facilidades.

Admite ser impotentes a criação de um quadro legal adaptado à realidade do país, à semelhança do que foi feito aquando da criação das REMPE´s com a criação da Pró-empresa e Pró-garante.

Jacintos Santos defendeu que é preciso englobar as universidades e os institutos na promoção do modelo cooperativo no país, para se criar uma base de dados estatísticos sobre a existência, tipologias das cooperativas no país e o impacto que estão a ter na economia nacional.

Essas medidas possibilitariam também, segundo o consultor, conhecer o número de emprego criado, directo ou indirectamente, assim como o volume de vendas, o contributo que as cooperativas estão a ter no PIB, algo que hoje em dia considerou ser completamente “difícil” obter.

Constactou ainda que a criação de cooperativas em diversos sectores da economia poderia ter impacto positivo para os produtores e revendedores, uma vez que teriam um papel fundamental na organização do mercado, distribuição, bem como na determinação dos preços e da qualidade dos produtos.

Observou que isso deveria ser uma prioridade neste momento em que o Governo está a pensar na produção agrícola com recurso à dessalinização da água do mar.

Jacinto Santos garante que o sector primário como agricultura, pesca e criação de gado são ramos de actividades com muito potencial no país.

Concluiu, defendendo, por isso, a criação, uma política forte de “influenciação” dos jovens para olharem para estes sectores como fontes de rendimento e ascensão social, a par da economia digital, que vem despertando muita atenção dos jovens.

Inforpress

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