Dos assistentes virtuais à IA, Hollywood inspira a ciência e a tecnologia

Rizvam Virk

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Em maio, o CEO da OpenAI, Sam Altman, causou polêmica ao mencionar o filme “Ela”, de 2013, para destacar as novidades da última versão do ChatGPT.

Poucos dias depois, Scarlett Johansson, que dublou Samantha, a namorada de IA do protagonista no longa, processou a empresa por ter usado sua voz na nova assistente virtual, mesmo após ter recusado o convite de Altman.

Esse conflito destaca uma relação mais ampla entre Hollywood e o Vale do Silício, chamada de “ciclo de feedback da ficção científica”, mostrando como a ficção e a inovação tecnológica se influenciam mutuamente. Essa dinâmica pode se desenrolar ao longo de décadas, em um ciclo contínuo.

SIMBIOSE CRIATIVA

Este ciclo geralmente segue o mesmo padrão. Primeiro, o clima tecnológico de uma determinada era molda a ficção científica daquele período. Por exemplo, a revolução da computação pessoal das décadas de 1970 e 1980 inspirou diretamente o trabalho dos escritores de cyberpunk Neal Stephenson e William Gibson.

Mais tarde, suas obras passaram a inspirar a inovação tecnológica no mundo real. Em seu clássico de 1992, “Snow Crash” (ou “Nevasca”), Stephenson cunhou o termo “metaverso” para descrever um mundo em 3D, semelhante a um jogo de videogame, acessado por meio de um óculos de realidade virtual.

Crédito: Linden Lab

Desde então, empreendedores e inovadores do Vale do Silício têm tentado construir uma versão desse metaverso. O mundo virtual do game Second Life, lançado em 2003, tentou fazer isso. Nele, os jogadores viviam em casas, iam a boates, namoravam e até mesmo tinham empregos virtuais.

Essa tecnologia gerou ainda mais obras de ficção científica. Durante a minha pesquisa, descobri que Ernest Cline passou muito tempo jogando Second Life, o que inspirou o metaverso de seu best-seller “Jogador Nº 1” (que virou filme em 2018, dirigido por Steven Spielberg).

Crédito: Warner Bros

E o ciclo continuou: os funcionários da Oculus VR – agora conhecida como Meta Reality Labs – receberam cópias do livro para ler enquanto desenvolviam os headsets de realidade virtual da empresa. Quando o Facebook mudou seu nome para Meta, em 2021, o fez na esperança de estar na vanguarda da construção do metaverso.

Outra franquia que tem suas digitais por todo esse ciclo é “Jornada nas Estrelas”, que foi ao ar pela primeira vez em 1966, em meio à corrida espacial.

Steve Perlman, o inventor do formato de reprodução de mídia QuickTime, da Apple, conta que foi inspirado por um episódio de “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração”, no qual Data, um androide, examina vários fluxos de arquivos de áudio e vídeo.

Data, de “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração” (Crédito: Paramount Pictures)

O designer do sistema operacional do Palm Pilot, Rob Haitani, também revelou que a ponte de comando da nave Enterprise influenciou sua interface. Além disso, o Holodeck visto na série – uma sala que pode simular qualquer ambiente – influenciou tanto o nome quanto o desenvolvimento dos óculos de realidade aumentada HoloLens, da Microsoft.

Holodeck da Enterprise em “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração” (Crédito: Paramount Pictures)

DE ALICE À “ELA”

O que nos traz de volta à OpenAI e ao filme “Ela”.

No longa, Theodore adquire uma assistente de IA, “Samantha”, dublada por Johansson. E começa a desenvolver sentimentos por ela – tanto que passa a considerá-la sua namorada.

O ChatGPT-4o, a versão mais recente do software de IA generativa, parece ser capaz de cultivar uma relação semelhante com o usuário. Não apenas ele pode falar e “entender” você, como também pode fazer isso demonstrando empatia, como um parceiro faria.

No filme “Ela” o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona por uma IA (Crédito: Warner Bros.)

Não há dúvida de que a representação da inteligência artificial em “Ela” influenciou os desenvolvedores da OpenAI. Mas você pode se surpreender ao descobrir que uma geração anterior de chatbots inspirou o diretor do filme a escrever o roteiro.

Uma década antes do lançamento de “Ela”, Spike Jonze interagiu com uma versão de A.L.I.C.E. (Artificial Linguistic Internet Computer Entity, ou Entidade Computacional de Linguagem Artificial da Internet), um dos primeiros chatbots a ter uma personalidade definida – no caso, a de uma jovem.

A.L.I.C.E. (Crédito: Reprodução/ Internet)

O chatbot A.L.I.C.E. ganhou o Prêmio Loebner três vezes, que foi concedido anualmente até 2019 ao software de IA que mais se aproximava de passar no Teste de Turing, amplamente considerado como um marco para determinar se a inteligência artificial se tornou indistinguível da inteligência humana.

A capacidade da IA de formar relacionamentos com humanos é um tema que continua a ser explorado tanto na ficção quanto na vida real. Alguns anos após “Ela,” “Blade Runner 2049” apresentou uma namorada virtual, Joi, com um corpo holográfico

“Blade Runner 2049” (Crédito: Warner Bros.)

Bem antes da última polêmica envolvendo a OpenAI, empresas já estavam desenvolvendo e lançando parceiros virtuais, algo que sem dúvida vai continuar. Como disse o escritor e crítico de mídia social Cory Doctorow em 2017, “a ficção científica faz mais do que apenas prever o futuro, ela o influencia”.

Este artigo foi publicado no “The Conversation” e reproduzido sob licença Creative Common. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Rizwan Virk é professor associado e candidato ao doutorado na área da dimensão humana e social da ciência e da tecnologia na Universid… saiba mais


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