Portugal mantém matriz católica, mas há cada vez mais diversidade religiosa

Celebração católica durante a pandemia: a matriz mantém-se, mas aumenta a população sem pertença religiosa”. Foto © ACN-Portugal

Há em Portugal “uma população de matriz católica que se mantém” a par de “uma maior diversidade religiosa no país”. Ao mesmo tempo, “os dados reflectem mais a eventual desarticulação entre crer e pertencer, fenómeno comum às sociedades que conhecem o fenómeno de culturalização de uma determinada memória religiosa”. As observações são de Margarida Franca, que abre na tarde desta quarta-feira, 3 de Julho, o colóquio da rede de investigadores Religião nas Múltiplas Modernidades (ReliMM), que se prolonga até quinta-feira, dia 4, às 18h, na Universidade Católica, em Lisboa (o programa completo pode ser consultado na página da iniciativa).

Doutorada em Geografia Humana com uma tese sobre “A expressão territorial da identidade religiosa da população católica portuguesa. Estudo de caso na diocese de Coimbra”, Margarida Franca intervém no colóquio, depois das 14h30, sobre o tema “Um Atlas da religião em Portugal: cartografar a mudança”. E irá destacar, diz ao 7MARGENS, que se verifica uma “erosão” da eclesiosfera católica “nos territórios mais cosmopolitas e dinamizados por fluxos humanos” e, ao mesmo tempo, “a sua persistência em contextos onde o catolicismo mantém um forte enraizamento cultural”.

A população católica tem-se mantido estacionária, por volta dos 80%, observa a investigadora, mas a realidade “não é estanque, pois o território não é homogéneo”: há diferenças entre o Norte e parte do Centro, que mantêm “uma realidade muito mais coesa e estável que as outras regiões do país”, com percentagens “muito expressivas” e constantes de população que se identifica como católica em concelhos como Resende, Baião, Celorico de Basto e Cinfães, todos acima dos 96%. “Já não é possível falar da sociedade portuguesa, do ponto de vista religioso, sem introduzir a equação territorial”, acrescenta Margarida Franca.

“Em Portugal, o dossel sagrado católico nunca foi verdadeiramente fracturado”, observa Jorge Botelho Moniz, outro dos investigadores que intervirá no colóquio, na quinta-feira, perguntando se há um “Populismo religioso em Portugal?”.

“A grande alteração consiste no aumento da população sem pertença religiosa”, que passa de 6,8% em 2011 para 14,1% em 2021, diz Margarida Franca, que integra também o CITER (Centro de Investigação em Teologia e Estudos da Religião), da Universidade Católica Portuguesa. As regiões de Lisboa e Algarve destacam-se das restantes, mas é a sub-região do Alentejo Litoral que tem menor percentagem de população católica (62%) e maior percentagem de população sem religião (27,7%). Sines, Vila do Bispo e Grândola, com mais de 30%, têm valores muito acima da média nacional,  acrescenta.

Também os outros grupos cristãos passaram de 3,3% em 2011 para 4,6% em 2021 e os não cristãos aumentaram de 0,6% em 2011 para 1,1%, dez anos depois, mas esses crescimentos dependem bastante, do ponto de vista demográfico, de “fluxos migratórios”.

Um Atlas da Religião em Portugal, o título da obra em preparação, pretende fazer “uma cartografia dos dados disponíveis” sobre a religião em Portugal, através dos últimos recenseamentos gerais da população (1991 a 2021) e terá contributos de Alfredo Teixeira, Helena Vilaça, Maria João Oliveira, José Pereira Coutinho e Margarida Franca. Pretende cruzar a identificação religiosa com diferentes variáveis sociodemográficas, geográficas e temporais, permitindo analisar a sua distribuição e evolução.

 

Agendas políticas

Manifestação contra o Governo de Bolsonaro, em Campinas, Brasil (Maio de 2021): a cartilha americana conservadora (trumpista ou bolsonarista) tem sido usada por alguns líderes religiosos. Foto: Parzeus, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.

Na sua intervenção, Jorge Botelho Moniz irá assinalar que a “maior desprivatização da religião” que se vê por todo o espaço europeu vai a par com “o crescimento do seu protagonismo no espaço público e nas agendas políticas”. O mesmo sucede em Portugal, afirma, onde o actual contexto político segue “a tendência regional, europeia”.

Esta realidade não sucede “necessariamente porque as comunidades religiosas exigem mais visibilidade”, mas porque “os partidos de extrema-direita e direita conservadora desenvolveram novas formas de articulação entre política e religião”. E instrumentalizam o religioso no “quadro da sua narrativa identitária”, afirma o investigador ao 7MARGENS, numa “reinterpretação moderna do princípio do cuius regio, eius religio” que remete para a ideia de que a cada sociedade corresponde uma religião, “olhando com desconfiança para o fenómeno contemporâneo da diversidade cultural e religiosa.”

Botelho Moniz, professor auxiliar na Universidade Lusófona, onde dirige o mestrado em Ciência das Religiões e a licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais, não tem dúvidas: “Em Portugal, tem havido uma instrumentalização do discurso religioso pela extrema-direita e direita conservadora.” Tendo em conta a “tradição cultural católica portuguesa” e a própria biografia, o seu líder usa “o imaginário cristão, católico, procurando conquistar o povo católico de direita e também aquela maioria que, embora não praticante, teve uma educação religiosa ou ainda opera nessa tradição.”

Jorge Botelho Moniz observa, entretanto, que “o mercado religioso não-católico continua pouco atractivo para os partidos do mainstream político” e “alguns sectores religiosos de pendor evangélico procuraram aproximações” particularmente ao Chega. Por isso, “ao recorrerem a narrativas populistas religiosas”, há quem use “o imaginário da direita das tradições autênticas em ligação com assuntos de sensibilidade social, associados à imagem da Igreja Católica” (caso do CDS-PP) ou a “cartilha americana conservadora (trumpista ou bolsonarista), nacionalista e identitária, cujo objectivo passa pela proteção dos nativos, cristãos, no caso do Chega”.

O também autor do recente Secularização – Genealogias, Modelos e Debates (edição INCM), diz que apesar da “relativa inconsequência da aproximação inicial de certas igrejas evangélicas ao Chega, o ultraconservadorismo do partido”, o seu líder “e a tradição de envolvimento político destas comunidades religiosas ajudaram a construir um lastro evangélico subjacente no partido”. Mas não houve “acolhimento formal” do partido a essas comunidades e algumas delas, “mais politizadas, viram mais recentemente no ADN [Alternativa Democrática Nacional] um partido próximo do populismo da extrema-direita, um potencial local de estadia e crescimento”. O facto de alguns pastores evangélicos terem concorrido pelo ADN às Legislativas de Março mostra que “alguns sectores religiosos, por razões ideológicas históricas” se aproximam da política “através de partidos populistas da extrema-direita ou da direita radical”, acrescenta.

 

Lideranças femininas

Mulheres, Ordenação de mulheres, Women's Ordination Conference

Mulheres, Ordenação de mulheres, Women's Ordination Conference Marcha pela ordenação de mulheres, assinalando o início do Sínodo católico sobre a sinodalidade (Roma, Outubro 2023): há diferentes perspectivas sobre o papel das mulheres nas igrejas cristãs. Foto © António Marujo/7MARGENS

Outra das intervenções, a cargo de Elsa Correia Pereira, aprofundará o papel das mulheres nas comunidades evangélicas. Bolseira de investigação no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, a também doutoranda na Faculdade de Letras da Universidade do Porto irá analisar “a diversidade de papeis que as mulheres desempenham neste ramo do cristianismo” em Portugal e em outros quatro países europeus: Itália (maioria católica), Suécia (protestante), Bulgária (ortodoxa) e Alemanha (duopólio católico/protestante).

“Para algumas autoras, o cristianismo é já um movimento global de mulheres. Contudo, as igrejas evangélicas são comunidades plurais” com lideranças locais e “uma multiplicidade de posicionamentos” perante a questão, a partir de dois polos. De um lado os “complementaristas” para quem homem e mulher são diferentes, e têm “posições e funções diferentes”; e os igualitários que, “sustentados por uma hermenêutica bíblica mais contextualizada, acreditam que Deus concedeu dons a ambos, homens e mulheres, e por isso ambos devem” exercê-los.

Estas últimas “crêem que o Espírito Santo é quem concede os dons de pregar, ensinar, cuidar, pastorear, etc.” e por isso defendem que qualquer pessoa, homem ou mulher, “deve desempenhar esses dons” na comunidade de fé. Mas apesar de haver teologias semelhantes dentro dos diferentes subgrupos evangélicos, estes “não residem no vazio”, mas num “contexto cultural e/ou histórico, do país onde foram fundadas as igrejas”. Por isso, apesar da “influência teológica dos seus fundadores”, há “dinâmicas diferentes até dentro dos mesmos grupos”.

Essa diferença continua, quando se alarga o horizonte às principais correntes cristãs: os protestantes históricos, que dominam no norte da Europa, já ordenam mulheres há muito; na Igreja Católica há “uma discussão acesa sobre o tema”, para já sem consequências; entre os ortodoxos, a mulher é vista sobretudo como guardiã da tradição na família e, em alguns casos, são admitidas à ordenação como diáconos, descreve Elsa Pereira.

Na Igreja Adventista do Sétimo Dia, as mulheres ainda não são ordenadas, mas algumas desempenham o cargo de pastoras. E na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons, como são conhecidos os seus membros), as mulheres tiveram desde o século XIX grande relevo na Sociedade de Socorro, movimento de apoio aos mais carenciados, acrescenta. Um documento da Igreja, de 2020, “enfatiza as diferentes funções de homens e mulheres, mas apoia os direitos humanos e a justiça para as mulheres”, mas salvaguardando “os ideais do casamento e da família”.

 

Religião e liberdade, 50 anos depois de Abril

Desfile Avenida. 50 anos 25 abril

Desfile Avenida. 50 anos 25 abril Desfile dos 50 anos do 25 de Abril em Lisboa: a liberdade religiosa em debate. Foto © António Marujo/7MARGENS

“Encontro Liberdade Religiosa: 50 anos de religião vivida no pós-25 de Abril” é o título de uma outra iniciativa de debate sobre o pluralismo religioso em Portugal, que decorre na quinta-feira, dia 4, entre as 14h e as 18h, no Museu de Lisboa – Palácio Pimenta (Campo Grande), promovido pelo CRIA (Centro em Rede de Investigação em Antropologia).

“Contando com as vozes de pessoas com diversas afinidades religiosas e espirituais, e com base na sua experiência vivida, propomos debater sobre o conceito de liberdade (religiosa) após o 25 de Abril de 1974 e sobre quem inclui ou exclui, tanto na sua formulação legal como no quotidiano.” O objectivo é ir “para além das narrativas institucionais” e a partir de três temas: género, novas gerações e (des)colonialidades.

O programa prevê duas mesas-redondas com participantes de diferentes tradições: islão, judaísmo, paganismo, sikhismo, candomblé e hinduísmo; no caso católico, a intervenção é apresentada como originária do “ex-catolicismo”.

A.M.

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