Na entrada do campo de futebol da comuna El Panal, atrás de um dos gols, está pintada a imagem de Hugo Chávez com a frase: “Comuna ou nada”. No lugar, a assembleia do conselho comunal começou às 17h do dia 16 de abril. As discussões duraram 4 horas e os 200 moradores que participaram da assembleia naquela noite debateram que projetos seriam votados na consulta popular, marcada para 5 dias depois, 21 de abril.
A força da participação popular e o engajamento das comunas na votação da consulta popular são algumas das apostas do governo para as eleições presidenciais. Dez candidatos vão disputar o pleito da Venezuela em 28 de julho. Em um cenário em que pesquisas de opinião indicam resultados diferentes, o voto dos comuneros pode ser fator determinante para resolver a corrida eleitoral no país.
Com caráter de autogestão, as comunas são os espaços onde se desenvolvem algumas das principais ideias do ex-presidente Hugo Chávez para um projeto de país com uma democracia participativa e a atuação direta da população na resolução de questões da vida em sociedade.
Por terem sido concebidas por Chávez, as comunas venezuelanas têm hoje uma proximidade maior com os debates da esquerda. Mas isso não significa que só pessoas de esquerda participam das comunas. Por serem organizações de territórios, as comunas englobam os moradores de determinada região ou bairro.
Para Jesus Peña, porta-voz da comuna Altos de Lídice, a participação direta na construção dos conselhos comunais faz com que, mesmo as pessoas que se dizem de diferentes espectros políticos sejam parte de uma transformação da sociedade. Segundo ele, ainda que essas pessoas não queiram, elas acabam sendo parte da construção do socialismo no século 21.
“Todas essas pessoas tem um espaço para definir suas diferenças, que são as assembleias cidadãs, a máxima instância de governo das comunas. O artigo 2 da lei orgânica dos conselhos comunais diz que os conselhos comunais é onde será construído o socialismo. No entanto, os companheiros que são de direita também participam desse processo. Quer dizer, são de uma forma ou outra um grão de areia para a construção do novo, que é o poder do povo”, disse ao Brasil de Fato.
História
As comunas foram institucionalizadas na lei orgânica das comunas, criada em 2010 durante o governo de Hugo Chávez. Nos últimos 14 anos, os comuneros viram mudanças bruscas na sociedade venezuelana, desde a tentativa de golpes de Estado, até a implementação de sanções dos Estados Unidos em 2015 contra a economia venezuelana, que minou a capacidade de investimentos do Estado sobre os diferentes setores.
Os desafios enfrentados pelo governo venezuelano a partir do bloqueio também refletiram na relação das comunas com o processo político e econômico da Venezuela. Para a pesquisadora e professora da Universidade Pátria Grande, Cira Pascual, as comunas ganham força e protagonismo durante a crise de 2017 e se tornam a “reserva moral” dos ideias de Hugo Chávez.
“Em 2017 e 2018 as comunas começam realmente a ter força. Até aquele momento, o governo não tinha muito interesse nas comunas, estava em uma condição mais de sobrevivência inclusive de fazer concessões ao capital. Ao mesmo tempo, as comunas começam a ganhar força e se tornam a resistência moral do chavismo. Ainda que tivessem poucas, ainda que estivessem dispersas, dali em diante, as comunas se tornam os espaços em que está vivo o projeto chavista”, disse ao Brasil de Fato.
Chavismo enraizado
Os conselhos comunais surgem em 2006, momento em que começa a surgir o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV). Fundado em 2007, o partido começa a ganhar capilaridade ao mesmo tempo em que os conselhos comunais vão se consolidando nos bairros.
Esses dois espaços políticos se tornam ferramentas para debate e difusão das ideias de Hugo Chávez no país e, à medida que vão se consolidando, ocupam espaço e se aproximam da população. Cada rua de uma comuna tem um porta-voz da organização. E cada bairro passa a ter cada vez mais representantes do partido que estão em contato direto com os moradores.
Conforme essas duas frentes se expandem, o chavismo se consolida cada vez mais no território por meio da formação de comuneros e militantes que aderem às ideias do ex-presidente.
Para Cira, apesar de as comunas e o PSUV terem as pautas de esquerda como foco dos debates, eles são feitos de forma diferente em cada instância. Enquanto o partido discute as mudanças a partir do governo, as comunas discutem a transformação da sociedade colocando o socialismo como perspectiva.
“Há um desdobramento de dois espaços de debates sobre o chavismo: um das comunas com o debate da construção de uma nova sociedade, socialista, não baseada na propriedade privada e no lucro, e outro é o partido. São dois espaços que não chegam a se fundir porque cada um tem a sua lógica, mas é claro que há muita gente que era dos conselhos comunais que é do PSUV e vice-versa.”
O debate realizado nas comunas se tornou, com o tempo, espaço para debate sobre os fundamentos do chavismo e perspectivas para o país. De acordo com Cira Pascual, as pautas levantadas pelas comunas são complementares ao debate feito pelo governo.
“Eu acredito que as comunas são o epicentro do debate chavista quando entendemos o chavismo como um projeto de transformação profunda, de transformação do sistema econômico, político e social. Claro, isso se dá por um governo que tem que assegurar a soberania e todo o resto. Com certeza no PSUV se dão os debates políticos, mas os debates que apontam para uma transformação radical da nossa sociedade se dão nas comunas”, disse.
Desequilíbrio para as eleições
Faltando pouco mais de 2 meses para as eleições, a discussão em torno do pleito também se faz presente nas comunas. A participação na última consulta popular esquentou o debate sobre eleições. A escolha de projetos prioritários para as comunas foi realizada em 15.617 pontos de votação de 49 mil conselhos comunais de 335 municípios na Venezuela.
Se a ideia da votação não era escolher um prefeito, governador ou presidente, a mobilização também trouxe à tona a presença da sociedade nos processos participativos do país. E se as comunas são espaços que pautam o chavismo, o desempenho do governo nas eleições também tem nesses lugares a sustentação da defesa ideológica para a corrida eleitoral.
Para Jesus Garcia, a votação e execução dos projetos estimula o modelo implementado por Hugo Chávez de uma democracia participativa e consolida a ideia de que o governo é responsável por esse processo.
“Essas medidas dão um novo ar para as organizações comunais e claro que isso reflete nas eleições. Os conselhos comunais estão muito mais próximos das pessoas do que os candidatos. Está mais próximo um vizinho que é porta-voz da comunidade e que tem a responsabilidade de resolver um problema direto com os recursos que recebe do Estado do que um vereador. Essa proximidade, se fizermos bem feita, claro que gera muito mais impacto eleitoral do que um representante municipal”, disse.
No último dia 8, o presidente Nicolás Maduro determinou que sejam implementados os projetos aprovados. A maior parte (21,2%) correspondem a administração de água. Outros 17,7% são sobre reparos nas vias, 13,7% de moradias; 11,8% de eletricidade; 7,9% ligados à saúde e 7,0% a educação
De acordo com Garcia, a participação expressiva dos comuneros mostra uma mudança nos ânimos em relação à estabilização da economia venezuelana, o que reflete diretamente nas eleições.
“Isso é um bom sinal, porque as pessoas estão vendo um crescimento social e econômico que estamos tendo no país. Não é fácil retomar a dinâmica política e a participativa depois de tantos golpes. Essa dinâmica que temos impulsionado nos conselhos comunais vai aquecendo os motores para que haja uma boa participação e haja uma eleição coerente com o que temos aguentado e que agora estamos levantando asas para que todos os venezuelanos e venezuelanas tenham maior qualidade de vida”, concluiu.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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