O acordo militar assinado entre o Governo de São Tomé e Príncipe com a Rússia – que inclui formação e utilização de armas e equipamentos militar – está a aquecer o debate político no arquipélago. Segundo a agência de notícias oficial russa Sputnik, o acordo “por tempo indeterminado” foi assinado em São Petersburgo no dia 24 de abril e já começou a ser implementado em 5 de maio,.
Em entrevista à DW África, Raul Cardoso, deputado e porta-voz do maior partido da oposição são-tomense, critica o secretismo do Governo em torno do assunto e diz que os órgãos de soberania não foram informados.
DW África: O que é que a oposição sabe sobre o tal acordo assinado entre o Governo são-tomense e a Rússia?
Raul Cardoso: O grande problema hoje em São Tomé e Príncipe é que não conhecemos o teor do acordo. Só vimos uma versão que está a circular nas redes sociais. Mas não nos podemos fiar nesta versão e estamos a tentar conhecer o teor do acordo. O grupo parlamentar do MLSTP/PSD já deu entrada na mesa da Assembleia Nacional de com um pedido do texto do acordo, para efetivamente nos inteiramos sobre o conteúdo do acordo.
DW África: Acha que o Governo assina um acordo sem passar pelo Parlamento? A oposição acredita que existe mesmo este acordo?
RC: Nós, hoje, acreditamos que existe um acordo, porque quando o próprio Presidente da República vem dizer que teve conhecimento da assinatura do acordo, um jornalista perguntou se ele já teria falado com o primeiro-ministro. Disse que ainda não. Então, nós ficamos assim, meio confusos. O que é que o Presidente sabia e como é que passados todos esses dias, quando a questão do acordo levantou uma grande polémica, não só a nível do país, como também a nível internacional, como é que o Presidente não falou com o primeiro-ministro sobre toda esta confusão que se instalou por causa do acordo?
O nosso problema é a forma como as coisas foram feitas. Portanto, um acordo que tem vários vícios. Um dos vícios é a forma, a elaboração deste acordo. Quem são os órgãos de soberania que participaram na elaboração deste acordo? Por outro lado, porquê tanto secretismo à volta do acordo? Estamos perante uma situação de falta de transparência. E depois há outra coisa: a entrada em vigor do acordo. O acordo, segundo aquilo que se conhece, foi assinado no dia 24 de abril. Data de entrada em vigor, portanto, foi o dia 5 de maio, quando internamente os deputados da nação, nós, não conhecemos o conteúdo do acordo.
DW África: E vão pedir ao Governo para denunciar este acordo?
RC: Estamos à espera porque já solicitamos o acordo. Estamos à espera que ele nos chegue às mãos. Porque há vários aspetos do que se diz que está no acordo – eu digo que se diz, porque estamos ainda a trabalhar no campo da especulação. Diz-se que é um acordo válido por tempo indeterminado. Isto não existe. São Tomé e Príncipe não vai assinar um acordo, seja com que país for, por tempo indeterminado. Este é que é o grande problema. Essa é a nossa maior preocupação.
DW África: E como é que vê esta preocupação tanto da União Europeia, de Portugal, da NATO e até dos Estados Unidos da América?
RC: Os países que cooperam connosco na área da defesa e na e na área da segurança têm alguma razão de estar preocupados porque se o acordo existe, ele interfere na área em que esses Estados estão a cooperar connosco. Nomeadamente os Estados Unidos da América, Portugal, que tem cá uma presença de militares, o Brasil que tem também instrutores militares. Também nós temos alguma cooperação já com países membros da África Central, portanto, o nosso grande problema é certamente a preocupação em que medida não haverá uma colisão de tarefas, ou seja, de ações que podem até certo ponto pôr em causa a credibilidade do Estado São-tomense. Lamentavelmente nós já estamos habituados com este atual primeiro-ministro a situações desse género.
DW África: Mas também o primeiro-ministro disse que São Tomé é um país soberano e independente que pode assinar acordos com quem quiser.
RC: Atualmente, eu tenho as minhas reservas sobre o que é que é a soberania dos Estados. Nós estamos numa época de um novo conceito de soberania. É que há uma interdependência entre os Estados e havendo essa interdependência entre os Estados, mesmo os grandes Estados não podem vir dizer que eu tenho a minha soberania. Esta soberania sempre é relativa, tendo em conta a necessidade que eu tenho de olhar para os meus amigos e muitas vezes quero fazer algumas coisas, mas não consigo fazer porquê? Porque eu tenho de ver os interesses de cada um dos meus também.
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