Paulo Rangel vai ser ouvido no Parlamento sobre CPLP e acordo militar celebrado entre São Tomé e a Rússia
A comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros aprovou esta terça-feira, com os votos contra do PS e a abstenção do Livre, a audição do chefe da diplomacia, Paulo Rangel, sobre o papel de Portugal na comunidade lusófona, pedida pelo Iniciativa Liberal.
O requerimento do IL surge na sequência de um acordo militar celebrado recentemente entre a Rússia e São Tomé e Príncipe, um dos nove Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a par de Portugal.
Na reunião da segunda comissão, o deputado liberal Rodrigo Saraiva afirmou que o Presidente da Guiné-Bissau se prepara também para celebrar um acordo de cooperação militar com Moscovo, sendo que, em declarações à Lusa, na segunda-feira, Umaro Sissoco Embaló disse que os dois países já têm um Acordo de Quadro Geral e que neste momento tem mais de 100 oficiais militares em formação na Rússia.
“Considerada a importância de um permanente debate sobre o papel de Portugal na CPLP, e de como esta influencia a política externa nacional, urge que o Governo esclareça a Assembleia da República sobre a sua visão, bem como partilhe a análise que faz destes recentes acontecimentos”, refere o requerimento do IL sobre a audição do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.
“Seria útil podermos todos começar a fazer uma reflexão do papel de Portugal na CPLP. Não estamos a questionar isso, mas, no limite, por absurdo, questionar inclusive se faz sentido estar na comunidade, considerando os objetivos que ela tem — um dos pontos dos estatutos diz que deve haver construção de sintonia em política externa”, defendeu.
Pela voz de Diogo Pacheco Amorim, o Chega considerou que “esta posição da Rússia em Moçambique, São Tomé e Príncipe e também na Guiné” representa uma “derrota da política externa” portuguesa.
“Temos de saber o que estamos a fazer, se estamos a fazer alguma coisa na CPLP ou se estamos com uma política na CPLP e outra no Atlântico Norte”, sublinhou.
Fabian Figueiredo, do Bloco de Esquerda, afirmou que “não cabe à diplomacia portuguesa puxar as orelhas à diplomacia de outros países, mesmo que eles falem português”.
“Isso é um erro e as reações estão à vista”, disse, numa alusão a declarações do primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, que afirmou que o seu executivo não precisa de Portugal para se relacionar com a Europa e destacou que São Tomé e Príncipe é um “país livre, independente, soberano”, bem como do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, que disse não precisar de autorização de ninguém para visitar a Rússia, em reação a declarações de Rodrigo Saraiva.
Para o bloquista, promover o debate “nestes termos” significa “acumular derrotas para a diplomacia portuguesa”.
“Não sei se o propósito do Iniciativa Liberal e do Chega é que Portugal se retire de todos os fóruns internacionais que têm países com relações comerciais e militares com a Rússia – não sei se sobrariam muitos fóruns internacionais a que Portugal pudesse pertencer”, ironizou.
O social-democrata Paulo Neves considerou “sempre oportuno” refletir “sobre uma organização que é um pilar da política externa portuguesa”, mas recordou que a CPLP “é o resultado de nove diferentes apostas diplomáticas”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, ressalvou, “não se deve atrever a tomar posição sobre as decisões dos outros”.
O PSD, comentou, “não põe sequer a hipótese” de Portugal sair da CPLP, o que seria “tremendo e um erro muito grande”.
Paulo Pisco justificou o voto contra do PS, ao considerar que a iniciativa do IL tem “subjacente, eventualmente até uma intenção, de pôr em causa a participação de Portugal na CPLP”, recusando por isso debater “neste contexto”.
O requerimento, acrescentou, faz “referências acintosas a seis países” da organização, que disse ser “um elemento fundamental da política externa” portuguesa.
“Para nós faz sentido continuarmos na CPLP e proteger as relações diplomáticas entre Portugal e a CPLP. (…) Não devemos provocar nenhum tipo de sobressalto com nenhum país, e nem sempre as relações têm sido relações fáceis”, destacou.
Segundo o deputado, para o PS está “muito longe de se poder dizer que é uma derrota da diplomacia portuguesa”.
“Obviamente que não é. A diplomacia portuguesa continuará sempre a procurar cimentar os laços com todos estes países, inclusive com São Tomé e Príncipe, com quem temos acordos militares e de segurança marítima a vários níveis”, prosseguiu.
Pelo Livre, Rui Tavares defendeu que o parlamento “deve evitar entrar em contradições”: quando o discurso sobre reparações a ex-colónias é considerada um crime de traição à Pátria — pelo partido Chega -, mas ao mesmo tempo Portugal “quer determinar com quem [esses países] se dão”.
“Não queremos puxar as orelhas seja a quem for. Todos os Estados são soberanos. Não temos traumas coloniais, nem pré nem pós-coloniais. Olhamos para todos os Estados-membros como pares. Queremos muito que Portugal esteja na CPLP”, respondeu Rodrigo Saraiva.
Na votação, o presidente da comissão parlamentar, o socialista Sérgio Sousa Pinto, pediu para ficar registado em ata o seu voto contra o pedido de audição do ministro Paulo Rangel, depois de afirmar que a CPLP é “uma das construções mais úteis que a democracia portuguesa pôs de pé”.
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