Não, presidente Lula, não vamos importar arroz da Venezuela! – Planeta Arroz

Por Cleiton Evandro dos Santos, analista de mercado e editor da revista e site Planeta Arroz

Santos: o Brasil abastece a Venezuela com arroz, e não o contrário.

Ao final da última semana, e isso ganhou destaque na imprensa nacional,  o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, abordou sem as melhores informações as questões inerentes à alta dos preços do arroz ao consumidor, o que vem ocorrendo por questões de mercado desde o início da pandemia. Foi uma abordagem superficial. Segundo o presidente, o governo federal teria “vacilado” por não ter importado arroz da Venezuela, possivelmente na virada do ano, por acreditar que com a chegada da safra os preços ao consumidor cairiam, o que não aconteceu.

Quem acompanha as edições regulares de Planeta Arroz – impressas ou digitais -, a newsletter e as atualizações diárias do site www.planetaarroz.com.br sabe que o presidente se equivocou profundamente por não ser claro e, principalmente, se referia-se ao arroz especificamente.

O Estadão registra que: o presidente fez uma mea-culpa do governo em relação ao alto preço do arroz no Brasil. “O arroz estava meio caro e o feijão estava meio caro. Por isso que tem muita gente zangada, porque o feijão está caro”, contextualizou o presidente em evento de entrega de aeronave da Embraer à Azul em São José dos Campos (SP), nesta sexta-feira (26).
“O alto preço do feijão é porque diminuiu a nossa área plantada, e a gente deu uma vacilada porque a gente deveria ter importado arroz mais barato da Venezuela.”

Lula, contudo, afirmou que o governo ficou na expectativa de que, no início da colheita de arroz no Brasil, o preço do produto fosse baixar. “Começou a baixar? Começou a baixar. Eu já estou comendo picanha com cerveja. Obviamente, quem não come picanha pode comprar uma verdura saudável plantada pela agricultura familiar”, disse.

No discurso, Lula falou que, muitas vezes, quando se tem o produto pronto, costuma-se menosprezar o esforço até chegar ao produto final. “Muitas vezes, o pessoal fica meio nervoso com relação ao crescimento do agronegócio”, disse numa referência aos pequenos produtores.

Segundo Lula, os detentores de grandes terras na região do Centro-Oeste, em diversas ocasiões, são vistos como “inimigos”. “E você não leva em conta, muitas vezes, a história que essa pessoa fez para chegar daquele jeito. 

Republico acima o texto para que possamos analisar o depoimento.

Bem, em que pese gradativamente o presidente da República precisar dar o braço a torcer para a relevância do agronegócio, e os números da economia, PIB, Balança Comercial, geração de empregos, inflação revelam a significativa participação deste segmento, e a aparente demonstração de reconhecimento a história de quem constrói a produção de alimentos no país independentemente do tamanho da propriedade e da área plantada, o presidente deu um espetáculo de desconhecimento em relação à cadeia produtiva do arroz. E da Venezuela também.

Afinal, o país que faz fronteira com o Norte do Brasil importa 75% de seus alimentos e há três anos anunciou um acordo para facilitar a importação de alimentos da Argentina, Uruguai e BRASIL, incluindo aí, ARROZ e FEIJÃO.

Ora, sabemos que por quase duas décadas, desde que o Brasil tornou-se gradativamente um player mundial entre os 10 maiores fornecedores mundiais de arroz, e provavelmente um dos seis maiores em arroz longo fino, que é o que consumimos majoritariamente nas Américas, a Venezuela tornou-se um de nossos maiores compradores do grão.

Hoje, o país comandado sob um governo cujo senso democrático é duvidoso e muitas práticas são condenáveis até para quem defende o modelo político/ideológico, importa 60% do arroz que consome em origens como os Estados Unidos (aquele mesmo que teria sanções contra o governo Maduro), da Guiana, do Uruguai e do…BRASIL.

Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e da Agência da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) indicam que na safra 2022/23 a Venezuela produziu 379 mil toneladas de arroz em base casca, e importou 475 mil toneladas. De um suprimento de 854 mil toneladas, 55,6% foram buscados em outros países. O Brasil, por sua vez, produziu 10,05 milhões de toneladas, chegou a um suprimento de 14,05 milhões contando estoques e importações, com sobra de 3,55 milhões de toneladas sobre o consumo de 10,5 milhões. E exportou 1,75 milhão de toneladas, com saldo positivo de 350 mil toneladas. Apenas o saldo brasileiro equivale a praticamente toda a produção venezuelana.

Se não produz o suficiente nem pra si mesmo, como iria fornecer-nos arroz este país vizinho? Devolveria, ele, parte do que compra do Brasil, em boa media grão do tipo 2?

Não, Lula, nós não vamos importar arroz da Venezuela!

Ela, sim, seguirá importando o nosso arroz sempre que conseguirmos competir com o Mercosul e com os Estados Unidos. E, nós, deste setor, torcendo para que nos paguem, pois algumas vezes receber pelo produto não tem sido missão das mais fáceis.

E devemos lembrar que hoje importamos mais de 1 milhão de toneladas por ano, em boa medida, porque o governo brasileiro não assegura ao setor as mesmas condições competitivas dos parceiros-concorrentes do Mercosul. É um mercado “comum” aonde cada um tem suas regras, e boa parte delas em detrimento da viabilidade econômica e comercial do agricultor brasileiro, como é o caso do acesso aos insumos e, principalmente, e idiossincrasias tributárias, algumas resultantes de uma insana guerra fiscal interna que penaliza quem produz alimentos e que teve ao longo das últimas três décadas a União se omitindo das distorções promovidas pelos estados.

MERCADO INTERNO

Vendo sobre o prisma do mercado interno, há muito o que o presidente aprender sobre o arroz brasileiro e sua cadeia produtiva.
Nos últimos 40 anos, pelo menos, o setor perdeu mais de 50% do contingente de produtores, expulsos do sistema pela inviabilidade econômica de uma cultura que no Brasil, muito antes de tentar ser commodity, é “boia”, comida, alimento. A área semeada com arroz no país caiu 5,3 para 1,5 milhão de hectares, ou a um terço do que se plantava há 40 anos. Ainda assim, com investimentos, tecnologias e muito esforço, essa cadeia produtiva jamais deixou faltar arroz na mesa dos brasileiros, o que antes de tudo é responsabilidade e uma missão de honra para o orizicultor.

A produtividade, senhor presidente, subiu de 1.600 quilos por hectare para 6.850 quilos, e no Rio Grande do Sul essa média vem sendo mantida, mesmo com intempéries, acima dos 8 mil quilos por hectare. A resiliência de um setor que produz o principal alimento, e cuja renda que foi perdida em mais da metade dos últimos 40 anos, eventualmente precisa ser compensada.

Nos últimos 15 anos o Sul do Brasil tornou-se uma das principais fronteiras agrícolas para produção de alimentos no país, com produtores, pesquisadores e extensionistas dominando e evoluindo num sistema de cultivos de terras baixas, capaz de dobrar a produtividade em campos que pelo declive e a geografia ficavam restritos à produção de arroz e somente na safra de verão. Hoje, destes campos, além de milhões de toneladas de arroz, saem milhões de toneladas de soja, carnes, e milhares de toneladas de milho, trigo e outros grãos.

A justa remuneração por uma atividade de tantos riscos, é um direito do agricultor que por raras vezes ao longo dos quase 150 anos de cultivo de arroz no Sul do Brasil, foi possível. Este patamar de remuneração, e isso mostra o Cepea/Esalq, poucas vezes foi alcançado. E é a garantia de que o setor continuará investindo e assegurando a segurança alimentar do Brasil.

DEMOCRÁTICO

O arroz é o mais democrático dos alimentos, pois mesmo desacompanhado do feijão, entra e está presente em todos os lares do Brasil. Do muito rico ao muito pobre. Não difere credo, cor, gênero, faixa etária, condição física ou financeira.

Com 10 quilos de arroz do Tipo 1, que pode ser encontrado em praticamente todos os supermercados ao preço médio de R$ 23,00 por 5 quilos (R$ 4,60 por quilo), o que somaria R$ 46,00, uma família de quatro pessoas pode almoçar um mês todo com fartura e suprir parte importante dos nutrientes necessários. Na média de 80g de arroz por dia, que expande após cozido e absorve água e/ou molhos e pode chegar a 140g, um brasileiro almoçaria 30 dias alcançando o consumo médio de 2,04 quilos por mês. São R$ 11,04 por mês por consumidor, ou R$ 0,37 por refeição.

A estimativa, dependendo do organismo governamental, é de que cada brasileiro consuma 42 quilos de arroz por ano, em base casca, ou 19,7 quilos (branco) de acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF). Isso daria 1,65 quilos por habitante ao mês. Portanto o cálculo seria, nestes parâmetros, de um custo mensal de R$ 7,59 por mês por habitante, ou 25 centavos por almoço, todos os dias do mês.
Nenhum outro alimento da cesta básica oferece essa relação de custo x benefício.

Podemos mais, mas agora só queremos respeito e que o governo não atrapalhe; garanta a segurança jurídica e o direito à propriedade privada; a paz no campo para quem produz; infraestrutura para escoar as safras, condições justas para financiar a estrutura de produção, comercialização e armazenagem; um seguro agrícola que realmente supra as necessidades do sistema de produção de alimentos; condições equânimes com os parceiros-concorrentes do Mercosul para produzirmos e comercializarmos sem distorções e desvantagens competitivas; medidas que neutralizem os danos da guerra fiscal; interfira no sentido de reduzir a carga tributária que penaliza produtores e consumidores; e por fim, que realmente busque conhecer esse mundo do arroz, que faz do Brasil referência internacional por produzir um grão cuja qualidade é reconhecida mundialmente.

De resto, senhor presidente, com todo o respeito à sua condição de chefe do Executivo de nossa Nação, lhe asseguro que a cadeia produtiva seguirá cumprindo com o dever sagrado, republicano e verdadeiramente patriótico de colocar comida na mesa dos brasileiros. Democraticamente, todos os dias, faça chuva ou faça sol.

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