Salman Rushdie vem a Portugal em setembro – Cultura

Este mês sai ‘Faca’, o livro em que recorda como foi assassinado mas não morreu.


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• Foto: THOMAS LOHNES/Getty Images



Salman Rushdie



Praticamente todos os seus livros “estão envolvidos em polémica” – isto é uma condição essencial para um grande escritor, e Salman Rushdie confirma a regra. ‘Filhos da Meia-Noite’ (de 1981) ganhou o cobiçado Booker, um dos mais prestigiados prémios literários de língua inglesa, mas foi amplamente criticado na Índia pelas acusações que deixa aqui e ali sobre o clã Gandhi. É um romance extraordinário, acompanhando a vida de Saleem Sinai, calvo e surdo, que nasceu à primeira hora da independência da Índia, em 1947 (ele conta a história da sua geração ao grande amor da sua vida, Padma Mangrol) – e pode dizer-se que é um romance que lembra o “realismo mágico” latino-americano, cheio de humor (muito) e poesia, de personagens fantásticos e de situações mirabolantes. Segue-se ‘Vergonha’ (de 1983), que também foi finalista do Booker e recebeu vários prémios – e que trata do Paquistão e da história política do país. Cinco anos depois, em 1988, foi a vez de ‘Versículos Satânicos’, quando a história de Salman Rushdie mudou radicalmente. Não porque fosse um livro ‘extraordinariamente’ melhor do que ‘Filhos da Meia-Noite’ (mas é), mas porque não provocou apenas polémica – uma palavra tão gasta que hoje não quer dizer nada – provocou uma vasta onda de protestos, destruição, mortes, atentados à bomba, guerra diplomática e, de facto, a chamada do nome de um escritor para as primeiras páginas de todo o mundo.

Ironias: o governo do Irão tinha premiado a tradução de ‘Vergonha’ publicada em Teerão dois anos antes; Rushdie tinha apoiado a revolução islâmica do Irão em 1979 e por várias vezes atacara os EUA, “o polícia do mundo”, que criticara asperamente por causa do bombardeamento de Tripoli, Líbia, três anos antes de Muammar Gaddafi se ter juntado ao coro dos que pediam a morte de Rushdie.

E porquê pedir a morte daquele homem de 41 anos, com ar de diabrete, que nascera em Bombaim em 1947, filho de um empresário com gostos literários e de uma professora, que o mandaram em 1964 para Inglaterra, onde acabou por se formar em História na universidade de Cambridge? Porque, no livro, é atribuída ao Profeta, Maomé, a inclusão de uma passagem mítica controversa do Corão, atribuída a deusas pagãs. Maomé (tratado como Mahound, considerado depreciativo) arrependeu-se e retirou-a, mas o erro tinha sido feito. Há uma lista de pequenas indignidades (um profeta com caspa, um anjo malcriado, mulheres do profeta com nomes de prostitutas, etc.), mas o facto é que uma pequena passagem bastou para incendiar o mundo. O livro, publicado em 1988 em Inglaterra e no início de 1989 nos EUA, provocou marchas de protesto de organizações radicais islamitas em Inglaterra (incluindo a Associação de Estudantes Islâmicos local), que o queimaram em público. Está provado que o aiatola Ruhollah Khomeini nunca leu senão duas ou três páginas (o seu filho confirma) antes de emitir um decreto (uma ‘fatwa’) em que condena Rushdie à morte e ao fogo dos infernos, com uma recompensa de 6 milhões de dólares para quem executar a sentença, que foi renovada em 2005 (numa declaração aos peregrinos a Meca) e em 2006, pela Guarda Revolucionária do Irão – e a recompensa aumentada várias vezes. Pelo meio, livrarias foram saqueadas, a redação de um jornal nova-iorquino foi destruída, o tradutor japonês morto em 1991, dez dias depois de ter sido esfaqueado o tradutor italiano. Em 2012, Rushdie publicou ‘Joseph Anton. Uma Memória’ (era esse o nome que Salman Rushdie usou enquanto viveu escondido e sob proteção policial, com aparições esporádicas), e a recompensa iraniana pela sua morte aumentou logo de valor. Durante mais 10 anos, Rushdie foi figura do estrelato pop americano, namorou, apareceu na televisão, deu conferências, veio a Portugal, viajou – mas a ameaça pairava, até que, a 12 de agosto de 2022, alguém a executou.Hadi Matar tinha 24 anos, nascera na Califórnia (a família regressou entretanto ao Líbano, a Yaroun, uma zona controlada pelas milícias xiitas pró-iranianas do Hezbollah), vivia em New Jersey e comprou o seu bilhete para a conferência-entrevista que ia ter lugar em Chautauqua, um lugar tranquilo e discreto onde escritores, músicos e artistas se encontravam. Esfaqueou-o no rosto, no pescoço e no abdómen. Rushdie, evacuado para um hospital de NY, sobreviveu mas perdeu um olho – ou seja, foi assassinado, mas não morreu. Os pais de Matar, no Líbano, desejaram a sua recuperação e condenaram Hadi.Quanto a Rushdie, acaba de publicar ‘Faca. Meditações na Sequência de uma Tentativa de Homicídio’, que a D. Quixote lança no próximo mês. Nele, conta como começou a ver o sangue a escorrer e se deu conta de que alguém havia de o matar. A ameaça era real.

Atiradiço & POP STAR

A poetisa Rachel Eliza Griffiths, 46 anos, é o quinto casamento de Salman Rushdie, 76: “A mulher que salvou a minha vida”, conforme diz numa entrevista recente (casaram em 2021). Antes disso, a vida sentimental e conjugal de Rushdie foi tema de conversa, assunto de imprensa, acusações e recriminações, vinganças e revelações escandalosas. Correu bem com Clarisse Luard, com quem casou em 1976 (e de quem teve um filho, Zafar); o divórcio ocorreu em 1987, e Clarisse morreu de cancro em 1999. Correu pessimamente com a escritora Marianne Wiggins, com quem esteve casado entre 1988 e 1993, durante o período inicial de vigência da ‘fatwa’ iraniana; menos mal com a autora e editora Elizabeth West, entre 1997 e 2004 (um filho, Milan) e que correspondeu ao período em que Rushdie foi viver para Nova Iorque; e foi turbulento e escandaloso, com polémicas e acusações públicas, o que manteve com a atriz e modelo de origem indiana Pardma Lakshimi entre 2004 e 2007 (ela tinha 28 anos, ele 51). Uma das ocupações regulares da imprensa popular, sobretudo depois do casamento com Lakshimi, era acompanhar os encontros e namoros de Rushdie em Nova Iorque.

Cancelamentos e censura

A ‘fatwa’ de Khomeini que condenava Salman Rushdie à morte foi emitida a 14 de fevereiro de 1989, dia dos namorados – no dia anterior a ser oficialmente concluída a retirada soviética do Afeganistão, uma vitória do mundo islâmico. Nesse mesmo mês registaram-se 80 ameaças de bomba contra livrarias americanas, tendo mesmo explodido uma delas em Berkeley, na Califórnia. Em Inglaterra, a histórica e célebre Dillons, em Londres, foi um dos alvos de atentados que ocorreram em várias cidades, incendiadas por líderes muçulmanos nos seus discursos nas mesquitas mais radicais. Nos EUA, mais de um terço das livrarias não vendiam ‘Versículos Satânicos’ e, em muitas das outras, o livro era vendido atrás dos balcões e embrulhado antes de ser entregue aos compradores. A proibição de venda do romance foi decretada em países como o Quénia, Tailândia, Indonésia, Paquistão, Singapura, Índia, Malásia, Bangladesh, África do Sul ou Sri Lanka, entre outros – a Venezuela acompanhou a proibição em 1989.




Praticamente todos os seus livros “estão envolvidos em polémica” – isto é uma condição essencial para um grande escritor, e Salman Rushdie confirma a regra. ‘Filhos da Meia-Noite’ (de 1981) ganhou o cobiçado Booker, um dos mais prestigiados prémios literários de língua inglesa, mas foi amplamente criticado na Índia pelas acusações que deixa aqui e ali sobre o clã Gandhi.


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