Nos últimos anos, os fundos venezuelanos congelados em Portugal atraíram petrolíferas, mineiras e fundos de todo mundo. Vieram a Lisboa ajustar contas por causa de nacionalizações e dívidas antigas.
- Este artigo faz parte de uma série de cinco episódios da “Guerra pelos milhões da Venezuela” e que conta os bastidores, disputas, reviravoltas e intrigas em torno dos fundos de mais de 1,4 mil milhões de euros que as empresas públicas venezuelanas guardam no Novobanco.
O Cinturão de Orinoco, na Venezuela, guarda as maiores reservas de petróleo do mundo, mas está longe de ser um lugar de boas memórias para uma gigante mundial como a ConocoPhillips. Em 2007, a petrolífera americana saiu do país de mãos a abanar, depois de o regime de Hugo Chávez ter nacionalizado os projetos que operava naquela região. Seguiu-se um pedido de indemnização a Caracas de mais de 30 mil milhões de dólares, que um tribunal internacional reduziu para 8,4 mil milhões. Agora, veio a Lisboa cobrar a fatura.
Os últimos anos de Chávez à frente dos destinos venezuelanos foram marcados por uma onda de nacionalizações que varreu negócios privados desde o setor petrolífero e mineiro até aos transportes e comunicações, muitos deles nas mãos de empresas estrangeiras. Mas o que visava reforçar o poder do Estado em setores estratégicos da economia acabou por se virar contra o regime de Nicólas Maduro, o homem que tomou o poder em 2013 após a morte de Chávez.
As expropriações deram lugar a dezenas de disputas de arbitragem e muitos investidores conseguiram indemnizações milionárias nos tribunais internacionais na década passada.
Agora, estes “lesados” percorrem o mundo à procura de ativos venezuelanos que possam satisfazer os seus pedidos, como é o caso da refinaria da PDVSA nos EUA, a CITGO Petroleum Corporation, avaliada em dez mil milhões de dólares e com valor estratégico ainda maior para Venezuela, pois é através desta empresa americana que processa e vende o seu petróleo. Já foi arrestada. A venda da CITGO vai servir para pagar vários credores da Venezuela, incluindo a ConocoPhillips.
Mais recentemente, a capital portuguesa tornou-se no destino de eleição destes “expropriados”. Porquê? Vêm atrás dos 1,4 mil milhões de euros em depósitos que 18 empresas públicas venezuelanas guardaram durante anos no Novobanco.
Outras empresas estrangeiras que estavam na Venezuela acabaram por ter o mesmo destino da petrolífera americana. A mineira canadiana Gold Reserve perdeu os direitos de exploração de minas de ouro e cobre em 2007 e a fabricante de embalagens de vidro americana Owens-Illinois viu Hugo Chávez a anunciar na televisão a nacionalização de duas fábricas em 2010. Ambas também já vieram a Lisboa reclamar a sua parte.
Nos últimos três anos, entre ações de execução, arrestos e penhoras que deram entrada no tribunal lisboeta, quase uma dezena de “lesados” da Venezuela, entre petrolíferas, mineiras, vidreiras, fabricantes de barcos, bancos e fundos internacionais, reclama indemnizações que superam os 13 mil milhões de euros, de acordo com os dados recolhidos pelo ECO.
Se a Venezuela estava a fazer um forcing no tribunal de Lisboa para resgatar os fundos congelados no Novobanco (e no IGCP e Caixa Geral de Depósitos), agora defrontava-se com concorrência de enorme peso.
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“Abajo el imperio americano”
A 1 de maio de 2007, Hugo Chávez deu início à nacionalização do setor do petróleo. “Abajo el império americano”, gritou o então líder venezuelano perante milhares de trabalhadores das plataformas petrolíferas.
Quando a ConocoPhillips se viu expropriada dos seus três projetos que tinha no país, dois dos quais no abastado Cinturão de Orinoco, foi-lhe dada a oportunidade de se manter como investidor minoritário, mas em parceria com a PDVSA. A petrolífera estatal venezuelana passaria a liderar as operações, mas queria manter o know-how dos estrangeiros para garantir que a Venezuela continuaria a extrair “ouro negro” debaixo da sua terra em bom ritmo.
Ao contrário da Chevron, a Total ou a Statoil, que estavam noutros projetos na mesma região, a ConocoPhillips não aceitou as mudanças. Os americanos deixaram o país de bolsos vazios, mas, logo a seguir, abriram uma frente de batalha contra a Venezuela no valor de 30,3 mil milhões de dólares no Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), do Banco Mundial.
Mais de dez anos depois, este tribunal arbitral determinou que a petrolífera teria direito a receber uma indemnização de 8,37 mil milhões de dólares (cerca de 7,8 mil milhões de euros ao câmbio atual).
O facto de Portugal ser membro da Convenção de Washington, que estabeleceu o ICSID, faz com que esta condenação possa ser reconhecida em Lisboa, possibilitando que a Conocophillips traga a litigação para a jurisdição portuguesa. Embora o ICSID tenha reduzido a indemnização para cerca de 28% do que pedira inicialmente, em outubro do ano passado, a petrolífera americana – defendida pela sociedade de advogados Vieira de Almeida — deu entrada com um processo em Portugal naquele valor. Era já o terceiro processo em Lisboa.
“Proceda, señor vicepresidente”
As disputas da Owens-Illinois e da Gold Reserve com o regime venezuelano também tiveram desfecho semelhante no ICSID.
No caso da Owens-Illinois, em outubro de 2010, viu o regime venezuelano nacionalizar as duas fábricas de produção de embalagens de vidro que tinha no país em direto da televisão. “Levam anos a explorar os trabalhadores, destroem o ambiente e tiram o dinheiro dos venezuelanos. Exproprie-se a Owens-Illinois. Proceda, señor vicepresidente”, decretava Hugo Chávez numa intervenção transmitida pela estação pública para todo o país.
Em 2015, o ICSID deu razão à Owens-Illinois, condenando a Venezuela a pagar uma compensação de 372,5 milhões de dólares de principal acrescida de juros, uma decisão confirmada posteriormente em 2019. Em junho de 2021, a vidreira lançou um processo de execução de 522,3 milhões de euros em Lisboa, numa petição em que é defendida pela PLMJ.
Levam anos a explorar os trabalhadores, destroem o ambiente e tiram o dinheiro dos venezuelanos. Exproprie-se a Owens-Illinois. Proceda, señor vicepresidente
Um ano antes da nacionalização das fábricas da Owen-Illinois, já a Gold Reserve tinha avançado uma reclamação no mesmo tribunal por causa das perdas provocadas pelas ações da Venezuela que levaram ao fim do Projeto Brisas, minas onde se ia explorar ouro e cobre. Em 2014, o tribunal internacional decidiu que a mineira canadiana devia ser ressarcida em 750 milhões de dólares. Um valor que mais tarde subiria para perto de mil milhões ao abrigo de um acordo de pagamento a prestações. Parte da indemnização foi saldada pela Venezuela. Os canadianos também já aterraram em Lisboa para saldar as contas.
Dívidas por pagar…
Além dos expropriados, o dinheiro da Venezuela em Portugal também atraiu nos últimos anos credores do regime venezuelano que tentam recuperar empréstimos que nunca foram reembolsados e ainda fornecedores de empresas públicas com faturas em atraso há anos.
O Banco San Juan Internacional é um desses casos. Em fevereiro de 2021, o banco com sede em Porto Rico colocou uma ação de execução exigindo cerca de 70 milhões de euros à PDVSA. Em causa estarão dois acordos de empréstimos feitos em 2016 (48 milhões de dólares) e 2017 (38 milhões) que a petrolífera deixou por pagar. Com o default, o banco avançou para o tribunal comercial de Londres, que lhe veio a dar razão no ano passado.
Nos argumentos apresentados ao tribunal londrino, a PDVSA referiu que não conseguiu reembolsar os financiamentos devido às sanções impostas à Venezuela e indicou justamente que tem dinheiro congelado no Novobanco, em contas que eram usadas para pagar o serviço da dívida.
Já na disputa aberta pelo fundo Red Tree Investments, a PDVSA também alegou que as sanções impostas pelos EUA no tempo de Donald Trump impossibilitaram o reembolso de algumas prestações, entrando em incumprimento dos acordos de financiamento que tinham sido celebrados inicialmente com a General Electric Capital. Em setembro do ano passado, a Red Tree colocou uma ação de 270 milhões em Lisboa contra três empresas estatais venezuelanas: Commerchamp, Petrocedeño e Petropiar.
As contas destas três empresas em Portugal – além da conta do Bandes — também foram alvo de arrestos no âmbito de uma providência cautelar apresentada pelo fundo abutre Contrarian Capital Management. Tenta recuperar 350 milhões de euros em Lisboa depois de ter aplicado dinheiro em obrigações do governo venezuelano que nunca foram reembolsadas.
… e barcos também
Em 2010, a Brumby Shipholdings, registada no Panamá e detida por dois venezuelanos, fechou um contrato de 135,8 milhões de euros para a entrega de 42 rebocadores à Venezuela para apoio à atividade petrolífera.
Os barcos foram entregues à PDVSA cerca de um ano depois de a petrolífera estatal ter feito a encomenda, mas nem todas as faturas acabaram por ser saldadas.
Por meio de acusações de corrupção, um tribunal holandês deu razão à companhia panamiana. No início de setembro do ano passado, chegou uma ação em Lisboa com a Brumby a reclamar 137 milhões de euros à PDVSA, PDVSA Operaciones Acuáticas e à Bariven, com a última a atuar como departamento de compras da petrolífera estatal venezuelana e das outras empresas do grupo.
Por esta altura, já a Brumby (e todos outros lesados) estavam assustados com o volte-face que tinha ocorrido nesse verão: o tribunal em Lisboa mandou desbloquear os fundos da Venezuela, ordenando o Novobanco a proceder à restituição do dinheiro às empresas venezuelanas.
Em Caracas, Nicolás Maduro e o seu regime regozijaram-se com a decisão do tribunal português, prometendo que iria aplicar os fundos no reforço “dos serviços públicos para o povo”. Mas imediatamente apareceram os cobradores do fraque para travar a saída do dinheiro de Portugal.
- Este artigo faz parte de uma série de cinco episódios da “Guerra pelos milhões da Venezuela” e que conta os bastidores, disputas, reviravoltas e intrigas em torno dos fundos de mais de 1,4 mil milhões de euros que as empresas públicas venezuelanas guardam no Novobanco.
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