Venezuela tenta salvar sua última geleira no Pico Humboldt com uso de manta; técnica é polêmica | Meio Ambiente

Pico Humboldt no Parque Nacional da Sierra Nevada, na Venezuela, em 2019. — Foto: Jose Manuel Romero via AFP/Arquivo

No parque de Sierra Nevada, na Venezuela, não resta quase nada da geleira La Corona. O que sobra dela poderá desaparecer completamente em 4 ou 5 anos. Para salvá-la, as autoridades decidiram cobri-la com uma manta gigantesca para evitar seu derretimento. Um método controverso, segundo especialistas.

Há pouco mais de meio século, a Venezuela tinha cinco geleiras que totalizavam quase 1.000 hectares de gelo. Um ciclo de recuo das geleiras começou no século XIX e se acelerou no século XX, devido às emissões de gases de efeito estufa.

Elides Sulbarán, engenheiro florestal venezuelano, ainda se lembra da paisagem branca do glaciar La Corona, no Pico Humboldt, a 4.916 metros acima do nível do mar. “O recuo dos glaciares é um processo natural, acelerado pelas mudanças climáticas, mas neste caso o que resta do gelo está no topo e numa superfície muito pequena que não chega a dois hectares. Nessas condições, os especialistas consideram que “o processo de desaparecimento deste remanescente da geleira é irreversível”, explica Sulbarán à RFI.

Inspirado por uma técnica utilizada em estações de esqui de países como a França, Suíça e Itália, o governo venezuelano anunciou a implantação de rolos de plástico polipropileno na superfície congelada da montanha, com auxílio de helicópteros, para protegê-la da radiação solar.

A informação foi dada pelo governador do estado de Mérida, Jeyson Guzmaán, em uma mensagem no X, em fevereiro.

O glaciologista francês Antoine Rabatel, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IRD, França), duvida da eficácia da medida a longo prazo sob condições de aquecimento global. “Quanto à eficácia deste método para preservar uma geleira a longo prazo, acho que é uma ilusão”, diz. “Manter estas mantas por longo prazo na superfície da geleira exigirá muitas intervenções porque, com as condições climáticas e o vento, elas se degradarão e serão menos eficazes”, disse o especialista à RFI.

Ecologistas e acadêmicos estão fazendo um abaixo-assinado para evitar a colocação da capa no glaciar. A cobertura pode atrapalhar os estudos de colonização da vegetação e apresenta riscos de contaminação, temem especialistas.

“É um material plástico cujas características não são conhecidas, mas evidentemente quando submetido a altos níveis de radiação, a mudanças radicais de temperatura ao longo do dia, certamente se decomporá. Esta decomposição em microplásticos contaminará os canais de uma série de cursos de água que alimentam (…) as demandas da população”, alerta o engenheiro Elides Sulbarán, que também solicita a publicação do estudo de impacto ambiental.

A Venezuela não é o único país da região afetado pelo derretimento dos seus glaciares. Segundo projeções científicas, os Andes perderão grande parte da sua massa glaciar até ao final do século.

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