O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender o regime de Nicolás Maduro na Venezuela. Enquanto Maduro abusa de manobras eleitorais para se manter no poder, Lula pediu “presunção de inocência” para o pleito convocado pelo ditador venezuelano. Para os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, ao ignorar as infrações cometidas por Maduro, o petista volta a reforçar seu apoio ao ditador.
“Lula valida as ações de Maduro e a outras omite-se, como a ameaça do ditador à Guiana, da qual nem se manifestou para não prejudicar o camarada Maduro”, pontua o analista de relações internacionais Cezar Roedel, referindo-se à ameaça de invasão e anexação do território de Essequibo, na Guiana, à Venezuela. A região representa 70% da Guiana e possui reservas de petróleo, minerais e inclusive de urânio.
Ao comentar a situação eleitoral no país vizinho, nesta quarta-feira (6), o petista ainda alfinetou a principal opositora de Maduro, María Corina Machado, que foi impedida de concorrer ao pleito.
Em declaração à imprensa, Lula comparou, indiretamente, a situação de María Corina com a dele próprio, que em 2018, condenado por corrupção, não pôde concorrer nas eleições presidenciais daquele ano. “Eu fui impedido de concorrer em 2018. Em vez de ficar chorando, eu indiquei outro candidato”, disse o petista. Em sua conta no X (antigo Twitter), a candidata acusou Lula de dar respaldo às violações cometidas pelo autocrata venezuelano.
“Luto para fazer valer o direito de milhões de venezuelanos que votaram em mim nas primárias e dos milhões que têm o direito de fazê-lo numa eleição presidencial livre em que derrotarei Maduro. Você está validando os abusos de um autocrata que viola a Constituição e o Acordo de Barbados que afirma apoiar. A única verdade é que Maduro tem medo de me confrontar porque sabe que o povo venezuelano está hoje na rua comigo”, escreveu Corina.
Após o comentário dela e da repercussão negativa na imprensa brasileira da declaração de Lula, o Planalto enviou uma nota a jornalistas dizendo que o “presidente não fez afirmação sobre ninguém especificamente” e que Corina teria feito uma “ilação sem base” que “mostra que ela não conhece o presidente”, segundo informou a CNN.
María Corina Machado ganhou as primárias de seu partido, o Vente Venezuela, em outubro de 2023 e desde então se tornou um alvo do regime de Maduro. Em janeiro, o Supremo Tribunal Federal do país, alinhado a Maduro, inabilitou Corina de concorrer ao pleito.
Recentemente o ditador também mandou prender a ativista política Rocío San Miguel, decretou a expulsão de membros da Organização das Nações Unidas (ONU) do país e tirou das duas principais operados locais de TV a cabo a transmissão do canal alemão Deutsche Welle (DW) após a rede veicular uma reportagem sobre corrupção no chavismo e ligações com o crime organizado.
O presidente brasileiro evitou fazer comentários sobre esses casos. E das vezes em que se pronunciou sobre a situação política no país vizinho, fez acenos a Maduro. Em junho de 2023, o petista chegou a dizer que a Venezuela tinha mais eleições que o Brasil e que o conceito de democracia era “relativo”.
Governo Lula participou da mediação para realizar eleições na Venezuela
No ano passado, o governo Lula atuou para que a Venezuela fechasse um acordo em prol das eleições no país vizinho. Diversos países, membros do atual governo e partidos da oposição venezuelana fecharam o Acordo de Barbados. No documento, Maduro se comprometeu a realizar um processo eleitoral democrático e seguro no país em 2024 e seguir uma série de determinações para visar a lisura do pleito.
Como incentivo, os Estados Unidos concordaram em aliviar os embargos impostos à Venezuela com a condição do governo se comprometer com o tratado. O Brasil foi parte ativa no acordo e Lula enviou seu assessor para assuntos especiais, Celso Amorim, para atuar nas negociações. O regime de Maduro, contudo, não tem operado conforme havia se comprometido.
Além de tornar sua principal opositora inelegível, o político Henrique Capriles, um possível substituto para María Corina e que já foi candidato à presidência duas vezes, também foi considerado inabilitado para concorrer ao pleito deste ano. Na última semana, o governo da Venezuela ainda apresentou ao Conselho Nacional Eleitoral uma proposta para eleições de acordo com interesses do ditador. O novo documento tem o intuito de anular o Acordo de Barbados.
Apesar das evidências e das diversas manobras, Lula ainda insiste em defender o processo eleitoral que Maduro está organizando.
“A gente não pode já começar a jogar dúvida antes de as eleições acontecerem. Porque aí começa a ter um discurso de que vai prever antecipadamente que vai ter problema. Nós temos que garantir a presunção de inocência até que haja as eleições”, afirmou o petista.
Para o cientista politico e especialista em política da Venezuela, William Clavijo Vitto, Lula respaldar a decisão do poder judiciário venezuelano, controlado por Maduro, contraria o estabelecido no Acordo de Barbados, que Lula diz apoiar.
“É impressionante a determinação de Lula de respaldar o governo Maduro colocando em risco seu próprio capital politico interno além da sua credibilidade internacional, mesmo consciente de que este é um governo autoritário e desprestigiado internacionalmente”, critica Vitto.
Eleições na Venezuela não garantem processo eleitoral democrático, avaliam especialistas
Após forte pressão internacional, Maduro anunciou que o pleito presidencial na Venezuela ocorrerá em 28 de julho. Mas o fato de marcar eleições não garante que o processo eleitoral de um país seja democrático, segundo apontam analistas com quem a reportagem conversou. Além disso, Lula, com seus comentários, acaba minando sua credibilidade para atuar como um intermediador da situação interna no país vizinho.
“[Essas eleições são] um teatro farsesco. Uma ditadura deprimente querendo vender a ideia de que há democracia e alternância de poder na Venezuela. Procedimento muito similar ao russo. Maduro e o seu ‘Tribunal Constitucional’, demoveram todos os opositores do pleito, pelos motivos mais risíveis”, pontua Cezar Roedel.
O consultor de política internacional da BMJ Consultores Associados, Vito Villar, explica que um dos pontos de referência para considerar um pleito democrático é a determinação utilizada pelo Instituto Carter. O organismo norte-americano foi fundado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter e atua como observador de eleições internacionais.
Entre as caraterísticas observadas pelo instituto para aprovar uma eleição estão: o voto secreto, a liberdade de expressão, liberdade de agremiação, liberdade de protesto e a liberdade de votar e ser eleito. A transparência e a possibilidade de observadores internacionais isentos também são consideradas. Características que, para os especialistas, não são observadas na Venezuela.
“Ao se observar, são aspectos que se não totalmente suprimidos, são parcialmente contestados [na Venezuela]”, pontua Vito Villar. Além das recentes manobras de Maduro para eliminar os principais opositores da disputa, o consultor de política internacional relembra ainda o fato de que o processo pós-eleições também pode ser questionável na Venezuela.
“É óbvio que Maduro tem uma forte influência em toda cadeia pública venezuelana. E essa influência se dá em todos os níveis, seja na força militar que ele controla, em parte da população que ainda o apoia, ou ainda pelo tempo de poder que ele tem e com isso consegue entrar nas instituições e colocar suas perspectivas para alcançar seus objetivos”, analisa.
Lula e seus acenos à Venezuela
As declarações desta quarta-feira não foram as primeiras em que Lula fez acenos ao regime de Maduro. Desde que assumiu para este terceiro mandato, o petista tem atuado em uma tentativa de “limpar” a imagem de Nicolás Maduro.
Acusado de crimes contra os direitos humanos, de fazer presos políticos e manipular o processo eleitoral na Venezuela para se manter no poder, Maduro está na mira das Nações Unidas (ONU). No poder há mais de 13 anos, o venezuelano é acusado de ser o responsável por afundar o país em uma grave crise econômica e humanitária.
Lula, porém, tenta vender outra imagem do ditador. Em maio de 2023, o brasileiro recebeu Nicolás Maduro em Brasília para a Cúpula da América do Sul. Recepcionado com honrarias de chefe de Estado, Maduro foi o único presidente sul-americano que chegou ao país um dia antes do evento.
Após reuniões bilaterais, o petista chegou a dizer, em coletiva de imprensa, que Maduro era “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”. A declaração rendeu diversas críticas ao brasileiro, entre opositores e apoiadores.
“Como presidente de um país soberano, Lula agiu colocando as suas preferências ideológicas acima dos interesses nacionais. As falas dele serviram para dar ainda mais apoio a Maduro”, avalia Roedel.
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