Investigadora no Centro de Estudos Internacionais do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, Ana Lúcia Sá especializou-se em regimes autoritários em África, especialmente Angola e Guiné Equatorial, sobre os quais tem vasta bibliografia. Com José Francisco Eteo Soriso editou Literatura oral de Guinea Ecuatorial: cuentos y narraciones (Ceiba Ediciones, 2012), tendo escrito sobre temas equato-guineenses tão diversos como o conceito de terra como propriedade na ilha de Bioco – a antiga Fernando do Pó, onde está situada a capital Malabo –, o ciberactivismo ensaístico do escritor Juan Tomás Ávila Laurel ou o autoritarismo e personalismo na Guiné Equatorial.
Em 2021, esta licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, com mestrado em Estudos Africanos e doutoramento em Sociologia, publicou um estudo sobre os direitos humanos e a boa governança na Guiné Equatorial, um país onde Teodorín Obiang, o filho mais velho do Presidente Teodoro Obiang, que governa o país desde 1968, tem mexido os cordelinhos (interna e externamente) desde que assumiu, em 2016, como vice-presidente primeiro e se tornou o sucessor constitucional do pai, para garantir que não há tormentas na passagem de poder do pai para o filho. A ideia de realizar a cimeira Rússia-África no seu país é uma das suas ideias para consolidar o seu poder.
A Guiné Equatorial tem capacidade para organizar uma cimeira desta dimensão?
Tem capacidade desde 2011, quando presidiu à União Africana. Na ilha de Bioco, em Cipopo, construíram toda uma nova cidade com 54 casas para todos os Presidentes de países africanos. Portanto, infra-estruturalmente, têm todas as condições.
Se esta cimeira se vier mesmo a realizar na Guiné Equatorial que importância terá para o Governo de Obiang?
É mais uma oportunidade para demonstrar que é um parceiro no jogo político internacional e com uma aproximação à Rússia que tem sido muito clara. E à Turquia e a países não ocidentais, principalmente desde que o vice-presidente assumiu um papel mais destacado nas relações externas do país. É uma demonstração de força já não tanto de Obiang, mas mais do filho mais velho, que é o sucessor constitucional e o vice-presidente do país. Uma demonstração de Teodorín de que também tem capacidade negocial internacional, tal como o seu pai teve, ainda que o pai diversificasse mais os parceiros. Mas, em virtude dos mandados de prisão internacionais, dos processos judiciais em vários países, Teodorín optou por estes parceiros.
Isto também terá a ver com os golpes de Estado na África Ocidental e Central, nomeadamente no Gabão, país vizinho a Sul e a Leste, onde a dinastia dos Bongo, iniciada por Omar Bongo em 1967 e continuada pelo filho, Ali, a partir de 2009, foi interrompida o ano passado por um golpe de Estado?
Não tem só a ver com os golpes de Estado na sub-região ou no vizinho Gabão, estas relações já vêm sendo construídas por Teodorín Obiang. Principalmente, a partir de 2016, quando assumiu a vice-presidência plena, foi procurando este tipo de apoios para a sua sobrevivência, para garantir que ele é que vai suceder realmente ao seu pai. Embora efectivas e reais, houve poucas tentativas de golpe de Estado, intentonas também foram poucas, só ‘inventonas’ é que foram mais.
Acha que há possibilidade de acontecer na Guiné Equatorial o que aconteceu no Gabão?
Não, não creio. O regime está demasiado bem arquitectado. Ainda que haja sempre o efeito surpresa. No Gabão, também ninguém estava à espera, mesmo os especialistas não esperavam que houvesse um golpe de Estado e a deposição de Bongo. Dentro do círculo íntimo, onde estão sempre os principais inimigos, há uma espécie de bicefalia do poder, muito concentrada em Obiang, mas o Teodorín está a construir as suas redes, independentes do pai, a eliminar potenciais rivais e a agradar a potenciais leais. A forma como foi mexendo no Governo, colocando em posições irrisórias outros potenciais sucessores, demonstra a força interna que tem. Ficaria surpreendida se houvesse mesmo um golpe de Estado.
Para a Rússia que importância tem a Guiné Equatorial?
Importância geopolítica; jogo internacional; em relação ao petróleo, já nem sei se a Guiné Equatorial terá tanto petróleo que possa interessar à Rússia. Mas é, sobretudo, jogo internacional, alianças internacionais.
Só isso?
Sim, porque a produção petrolífera já é bastante diminuta.
E o que poderá representar para a CPLP ter uma cimeira Rússia-África num dos seus Estados-membros?
Mais um assunto a não ser discutido e mais um elefante na sala do qual não se fala.
Ainda para mais de um Estado como a Guiné Equatorial, que não cumpriu o que lhe foi exigido para ser aceite como membro da CPLP.
Será um elefante na sala, poderá haver alguma recomendação, mas semântica.
E parece-lhe que Portugal irá assumir alguma posição em relação a isso ou irá calar-se?
Creio que irá calar-se como habitualmente e como em outros casos da CPLP.
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