São Tomé e Príncipe: Analista vê remodelação como sinal que “o governo está cansado”

Em São Tomé e Príncipe foi anunciada, esta segunda-feira, uma remodelação governamental, com cinco novos ministros e várias alterações de pastas. O analista político Danilo Salvaterra vê a remodelação como um sinal que “o governo está cansado” e diz que é só uma mudança de nomes e não de estratégia governativa.

A remodelação governamental ocorre dias depois do pedido de demissão do ex-ministro das Infraestruturas e Recursos Naturais, Adelino Cardoso, na senda de vários protestos dos trabalhadores da Empresa Nacional de Administração dos Portos (ENAPORT) contra o acordo de parceria público-privada com uma empresa francesa. A remodelação acontece também poucos depois da invasão do Ministério Público por um grupo de bombeiros para libertarem à força dois colegas detidos.

O nosso convidado do dia é o analista político são-tomense Danilo Salvaterra que começa por considerar que a remodelação é apenas uma mudança de nomes e não de estratégia governativa. Para o comentador, “todos os protestos ajudaram à remodelação”, ainda que ao fim de um ano de governo seja habitual verificarem-se mudanças no elenco dos executivos. Neste caso, Danilo Salvaterra sublinha que o governo liderado por Patrice Trovoada “está cansado, está abatido” devido “aos diferentes aspectos da vida socioeconómica do país”, nomeadamente “os massacres de 25 de Novembro [de 2022] por esclarecer”, “as privatizações não esclarecidas” e “os protestos e as demissões”. [De notar que além do ex-ministro Adelino Cardoso, que se demitiu na semana passada, também Alberto Pereira, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidades, se demitiu em Julho do ano passado].

 

RFI: O que significa esta remodelação?

Danilo Salvaterra, Analista político: Esta remodelação, infelizmente, significa apenas mudança de pessoas. Não haverá mudança na estratégia de governação. Não haverá uma ideia nova que leve o país a avançar. É isto que é muita pena, mas também o próprio partido que está no governo não tem muitas alternativas em termos de pessoas para os lugares. O que é que faltou? Faltou que a liderança do partido ao longo desse tempo criasse ou trabalhasse para a geração de novos líderes. Não havendo, fez-se o remendo com o que se tem.

A remodelação surge depois do pedido de demissão do ministro das Infraestruturas, na sequência dos protestos contra o acordo de parceria público-privada da gestão dos serviços da ENAPORT, entre o governo são-tomense e a empresa francesa Africa Global Logistics. Foi esta a origem da remodelação?

Esta remodelação é como quase em toda a parte: há sempre uma remodelação passado um ano, os governos estão cansados.

Esta contestação da parte dos trabalhadores da ENAPORT não a acelerou?

Sim, sim, sim. Todos esses protestos ajudaram a esta remodelação, mas o governo está cansado. O governo está cansado, está abatido pela consequência dos diferentes aspectos da vida socioeconómica do país. Temos a questão dos massacres de 25 de Novembro por esclarecer, temos esta questão das privatizações não esclarecidas ou que não funcionaram pela forma como elas nasceram. Temos os protestos e temos as demissões. Tinha que haver alguma remodelação.

Em relação, por exemplo, ao contrato com a empresa francesa Africa Global Logistics, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores do Porto de São Tomé, entretanto, o governo anulou esse contrato. Ou seja, o que é que se espera? O que é que o governo poderia ter feito mais?

É que não tinha outra solução porque é uma falta de transparência em todos esses contratos públicos. Os governos não podem continuar a viverem da falta de transparência. Os trabalhadores exigiram, os partidos da oposição intervieram, exigindo também, ou seja, havia aqui todo um contexto, um cenário que não tinha outra saída se não se fizesse a remodelação. O contrato aparece com uma série de vícios. Tal como este contrato que o país assinou com a empresa francesa de logística para a gestão do porto, o mesmo se passou com o contrato da EMAE, a empresa de abastecimento de água e electricidade. Há aqui uma série de vícios e estes vícios todos estão a ser protestados.

Que vícios são esses de que você fala?

A falta de transparência em primeiro lugar. Depois, é preciso considerarmos que os países democráticos têm regras, há regras que se devem respeitar, mesmo quando os governos têm uma maioria absoluta.

Que regras foram infringidas?

Os contratos desta natureza tinham que passar pela Assembleia da República para a sua avaliação. Os contratos desta natureza impunham passar pelo Tribunal de Contas. E nada disto está a acontecer. São estes disparates que o país está a viver, que leva o país a ficar cada vez mais frágil. Lembra-se que, ainda recentemente, no passado governo, houve um contrato assinado entre São Tomé e Príncipe e a Safe Bond? Seguiu as regras que estão estabelecidas…

Mas esse contrato acabou também por ser anulado pelo novo governo.

Houve algumas nuances, alguns defeitos que poderiam ser corrigidos, mais do que propriamente os anular, e o governo decidiu anular. Este acordo que está completamente fora de todas as regras de um Estado de direito democrático, o governo não tinha outra situação senão anular face à pressão que está a viver.

Porque diz que está fora de todas as regras? É por causa da falta de escrutínio da Assembleia e do Tribunal de Contas?

Sim. Ao não passar já está viciado. Depois, repare nas referências que são feitas no contrato: vem o nome do Presidente, o nome do primeiro-ministro no contrato como se tivessem influenciado o contrato. Isto não é normal em parte nenhuma.

Mas o Presidente da República negou o envolvimento, convocou o primeiro-ministro e pediu para ver o contrato para ver como é que o seu nome foi lá parar. Eles deveriam ter feito declarações públicas para explicar o que se passou?

Era o que se esperava porque aqui ficou a suspeita de ter havido algum acerto, algum concerto entre essas duas figuras porque se o Presidente diz que o seu nome está posto abusivamente, após a reunião, fazia sentido que ele esclarecesse à população. Mas há um sentimento nesta governação de que não têm satisfações nem contas a prestar. Só assim é que você percebe que após esta reunião entre estas duas figuras, o Presidente e o primeiro-ministro, nós não tenhamos nenhuma informação a propósito. E, claro, também falta aqui a comunicação social mais ousada porque a comunicação social poderia e teve tempo suficiente para fazer pressão de forma a nós termos esta informação. A comunicação social também como vive sob pressão do próprio sistema político da governação, acaba por fazer o mesmo caminho, manter-se em silêncio, e ainda hoje não temos nenhuma informação a propósito disto, excepto da demissão do ministro das Infra-estruturas.

Nem o Presidente, nem o primeiro-ministro se pronunciaram sobre esse pedido de demissão. Devê-lo-iam ter feito?

É o que seria normal, o que seria expectável, é o que o povo de São Tomé e Príncipe merece se a governação fosse feita dentro dos preceitos democráticos. Não está a acontecer isto.

Houve também a invasão ao Ministério Público por um grupo de bombeiros para libertarem à força dois colegas detidos. No sábado, o sindicato dos magistrados judiciais de São Tomé e Príncipe considerou que esta invasão revela “a vulnerabilidade do sistema judiciário” e criticou a falta de responsabilização dessas forças. O governo já demitiu o comandante-geral dos bombeiros e o seu adjunto. Como viu toda esta situação? A resposta dada pelas autoridades foi suficiente?

A resposta dada pelas autoridades foi suficiente, mas nós temos que ir à origem desses problemas todos. A origem desses problemas todos tem a ver com a impunidade que se instalou no país. Hoje, qualquer um julga que pode fazer a lei pelo seu bel-prazer. Ninguém reconhece a legitimidade de um sistema judicial que, num caso, é capaz de tomar medidas e no outro não. Este mesmo sistema judicial que os bombeiros assaltaram para retirarem um dos seus colegas de trabalho, este mesmo sistema judicial face ao que aconteceu no dia 25 de Novembro de 2022 decretou a prisão preventiva dos autores materiais daqueles acontecimentos. Estes autores acharam que não deveriam ser objectos desta detenção preventiva e não foram detidos e estão em liberdade. Qualquer um acha que está no seu direito de fazer o que bem lhe apetece e é o que aconteceu com os bombeiros agora também. E qualquer dia ainda vai ser pior porque a continuar com esta impunidade, não sei onde é que nós vamos parar.

Então qual é a solução?

Em primeiro lugar, é preciso uma liderança forte. É preciso que se tenha uma ideia do país, é preciso que reinventemos a política em São Tomé e Príncipe. É preciso que o país se preste a honrar também os seus compromissos para nós não continuarmos a ter líderes fracos conforme temos. Tudo o que está a acontecer em São Tomé e Príncipe, os resultados das eleições, tem a ver com a pobreza em que a população está. A população são-tomense é comprável nas eleições por qualquer coisa, como dois ou três euros. Compra-se o direito de voto e, claro, as ajudas internacionais também não têm cooperado para melhores condições da vida da população.

No meu entendimento, São Tomé e Príncipe está a precisar de um governo de salvação nacional. É difícil, é, mas os países parceiros, os amigos de São Tomé e Príncipe, se não enveredarem para uma ajuda neste sentido, para nós termos um governo que tenha uma linha democrática de actuação que venha aliviar o sofrimento da população, no futuro é bem provável que nós tenhamos condições sociais mais gritantes e, infelizmente, nessa altura aparecerão os países parceiros, a comunidade internacional, a gritarem o “ai, ai, ai” connosco, mas poderá ser muito tarde.

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