Em São Tomé, Bruno conheceu “pessoas com paisagens” | Fotogaleria

Foi em 2019, ainda antes da pandemia, que o fotógrafo baiano Bruno Saavedra pisou, pela primeira vez, o solo da ilha de São Tomé. O conjunto de imagens que produziu ao longo da sua estadia, que intitulou de Para Não Dizerem que Não Falei das Folhas, contém o retrato das pessoas, da comunidade são-tomense, “exaltando as suas belezas naturais”, “dando ênfase às tradições, cultura, costumes, espaços comuns e território”, explica o fotógrafo ao P3, em entrevista. “Também procurei dar destaque às crianças, pois achei que elas são a alma da ilha.”

As fotografias, que estarão em exposição na Galeria Imago Lisboa, em Lisboa, a partir de 23 de Novembro, com a curadoria de Pauliana Valente Pimentel, descrevem, sobretudo, os habitantes da roça Agostinho Neto, no norte da ilha, no distrito de Lobata, local onde Bruno Saavedra diz ter sido “recebido por todos com um enorme sorriso no rosto”. “É incrível a forma tão gentil, humana e respeitosa com que nos recebem”, afirma.

A roça Agostinho Neto, ex-sede da então mais importante exploração agrícola do país, a Sociedade Agrícola Valle Flôr, era, antes de 1980, denominada de roça Rio de Ouro. Nela se produziram, no passado, sob liderança portuguesa e mão-de-obra descendente de escravos das então colónias portuguesas, as grandes quantidades de cacau que faziam de São Tomé e Príncipe o principal exportador desse fruto do mundo.

Actualmente, os cerca de mil habitantes que lá permanecem vivem num ambiente degradado, onde os turistas se confrontam com a ruína e pobreza e beleza que por lá reinam – a roça é, presentemente, uma das atracções turísticas de São Tomé e Príncipe. A “turistificação” da roça integra os planos do programa português Revive Internacional, que dá à exploração de privados alguns dos edifícios que a integram.

Bruno Saavedra, brasileiro residente em Portugal há 17 anos, nasceu numa cidade do nordeste brasileiro chamada Itamarajú, onde “a paisagem e o clima tropical é muito parecido com o que de São Tomé e Príncipe”, observa. O fotógrafo sentiu-se “em casa” não apenas pelas semelhanças que observou ao nível do clima, mas também “na forma de estar das pessoas e nos sabores das frutas e da comida”. Lentamente, refere, foi transportado para memórias do Brasil.

A ligação das pessoas que conheceu com “a natureza luxuriante” que as rodeia inspirou o fotógrafo aquando da realização dos seus retratos. “São pessoas com paisagens, mais do que paisagens com pessoas”, argumenta Saavedra. As fotografias traduzem, de forma quase literal, essa simbiose. Os elementos naturais – plantas, árvores e frutos, peles de animais – fundem-se com os humanos e os urbanos para pintar retratos de cores vívidas e vibrantes.

“Cada uma daquelas pessoas tem um sorriso quente, muito particular e contagiante, e um jeito leve de viver a vida”, narra. “Isso me chamou atenção. Aos poucos fui-me sentindo cada vez mais parte da comunidade, o que permitiu ganhar uma intimidade e à vontade com todos.”

Quando regressou a Portugal, Saavedra decidiu organizar uma exposição fotográfica com o projecto. “Todas as imagens estiveram à venda por um preço simbólico e todo o dinheiro arrecadado foi para, no ano seguinte, quando regressasse, poder levar comigo material escolar, medicamentos, material de higiene pessoal, roupas, livros, brinquedos e vários outros materiais de primeira necessidade.”

Assim, em Janeiro de 2020, o fotógrafo regressou ao país “de mala cheia”. “Ao entregar as coisas, dei prioridade a pessoas que tinham colaborado nas sessões fotográficas e deixei claro que aquilo só estava acontecendo devido a colaboração deles nas fotografias.” A pandemia impediu-o de regressar, entretanto, mas garante manter contacto com os retratados, “ajudando sempre que possível”

O título do projecto, Para Não Dizerem que Não Falei das Folhas, foi inspirado por uma canção brasileiro Geraldo Vandré, lançada em 1979, com o título Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, esclarece. “A letra transmitia esperança e incentivava os brasileiros a se mobilizarem contra a ditadura. A música acabou tornando-se um hino de resistência do movimento civil e estudantil do país e foi censurada e proibida pelos militares.” Quando questionado se essa alusão remetia para o processo de libertação do jugo colonial português em São Tomé e Príncipe, ou do seu lastro até ao presente, Saavedra optou por não se pronunciar.

“O meu trabalho fundamentalmente é sobre as pessoas, as suas histórias de vida e suas verdades. O trabalho jamais existiria se não fossem elas.” O projecto deu também origem a um fotolivro, editado em 2021, que se encontra presentemente esgotado.


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