SOMA: a organização que ensina as miúdas de São Tomé a apanharem ondas
Usam o surf para ajudarem as raparigas a perceberem que também podem praticar desporto e aproveitar a infância.
“Quando chegámos a São Tomé encontrámos miúdas que não conseguiam exprimir-se, dizer o que sentiam. Agora começa a ser diferente, muito devido ao surf”, começa por contar Francisca Sequeira à NiT. A portuguesa de 32 anos deu a primeira aula da modalidade em 2020. Desde aí que decidiu que queria ajudar as raparigas da ilha a encontrarem um escape à realidade “dura” que enfrentam.
Três anos depois, criou a SOMA (Surfistas Orgulhosas na Mulher d’África) organização que dinamiza atividades para miúdas são-tomenses até aos 18 anos. “Ao longo deste tempo usámos o desporto, em conjunto com outras práticas, como terapia. Aqui conseguem libertar-se das tarefas domésticas e de uma realidade em que tudo lhes é imposto, e podem aproveitar a infância e serem apenas miúdas.”
“Atualmente fazemos acompanhamento escolar diário e sessões de piscoeducação, formação profissional e incentivamos de círculos de partilha, com mulheres mais velhas que educam para a saúde sexual.” No entanto, não trabalham só com as raparigas de Santana. “Se queremos lutar pela discriminação de género, temos de incluir toda a comunidade, então também organizamos atividades com os rapazes, pais e professores para os consciencializar para os direitos das mulheres”, explica Francisca.
E os resultados estão à vista. “Já reconheço vários sinais disfarçados de uma maior autoestima, proatividade e competências sociais e de expressão verbal”, por exemplo. Mas há ainda muito trabalho a fazer. “O surf ajuda-as a libertarem-se, elas adoram estar dentro de água.”
O início da SOMA
A ideia de criar a organização surgiu numa altura em que Portugal enfrentava múltiplos confinamentos. Como estava sem trabalhar, Francisca dedicou o seu tempo a tentar solucionar um problema que a incomodava há um tempo. “Numa das últimas vezes que tinha estado em São Tomé e Príncipe deparei-me com algo muito diferente daquilo a que estava habituada. Quanfo fui surfar só vi homens no mar. Depois percebi que as miúdas não estavam autorizadas a fazê-lo. Aliás, estavam limitadas às tarefas domésticas e um destino pré-definido pelos pais e comunidade”, conta à NiT.
“Estar no mar ajudava-me a acalmar-me, a pensar só em mim”, explica a lisboeta. “Por isso, pensei que elas também iam gostar. Queria ajudá-las através do desporto, empoderá-las para combaterem a desigualdade de género”, acrescenta.
No final de setembro de 2020 partiu para São Tomé e levou a prancha consigo, “já com o sonho de conseguir ensinar algumas miúdas”. Quando lá chegou foi ao único clube de surf que havia em Santana e contou-lhes o que queria fazer. Dali começou a bater à porta das casas mais próximas, “porque estariam mais familiarizadas com a modalidade”.
Ao contrário do que imaginou, não ouviu nenhuma “má resposta”. “O país, tal como o resto do mundo, estava muito parado. Os mais novos não tinham aulas, o clube de surf estava praticamente fechado. Por isso, foi fácil fazer o convite e levar a novidade. Mas, acima de tudo, acho que os pais tinham a esperança que pudesse levar as filhas para Portugal e dar-lhes uma vida melhor.”
Passados dois dias começaram a praticar com a surfista Joana Andrade, que alinhou na aventura. “Foi indescritível. Demos a primeira aula da ilha a 20 raparigas. Estavam mesmo felizes e já só falavam de quando podiam voltar a fazê-lo. Os irmãos e amigos, inclusive, ajudaram-nas a surfar e encorajaram as que tinham medo a tentar”, recorda.
A partir daí Francisca passou a viajar a cada 15 dias. Trabalhava uma quinzena, e a outra passava-a em São Tomé a estruturar a SOMA (Surfistas Orgulhosas na Mulher d’África). “No primeiro ano fiquei a absorver a cultura, os problemas e a elucidá-los sobre a surf terapia. Queria ajudar aquelas meninas e mulheres a perceberem os seus direitos, a lutar pela igualdade de género e ajudá-las a criar oportunidades profissionais. Isto, claro, com muito desporto e alegria à mistura”, conta à NiT.
Sendo uma organização sem fins lucrativos, teve de encontrar empresas e pessoas que quisessem ajudar. “Em setembro de 2021 chegaram os primeiros voluntários a São Tomé e temos trabalhado sempre à luz das necessidades. Conseguimos organizar o primeiro campeonato de surf, com participação feminina, em que o prémio era igual tanto para os homens, como para as mulheres. E formámos treinadores para dar continuidade ao projeto localmente”, refere Francisca Sequeira.
Como hospedeira do bordo da TAP tem sempre facilidade em viajar, por isso, continua a ser presença assídua em Santana. Mas não era suficiente para tornar a organização viável. Por isso, este ano, Francisca apresentou o projeto a várias empresas para encontrar apoios e formas de financiamento.
A Betclic, decidiu aliar-se à SOMA para realizar um documentário sobre estas pequenas surfistas que têm nascido em São Tomé e sobre o trabalho da organização. Ao mesmo tempo, o banco de imagens Shutterstock também se juntou ao projeto e criou uma coleção de imagens de mulheres a surfar. “Era uma coisa que não existia, de todo. E agora o valor dos direitos dessas fotografias vai reverter para o financiamento da organizarão”, explica a diretora.
Filmado em junho, o documentário foi apresentado este sábado, 4 de novembro, na Surf at Lisbon Film Fest e vai rumar agora para Londres, Estados Unidos e Austrália. Com isto querem encontrar novos mecenas e patrocinadores para a SOMA.
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