Cabo Verde no top10 das economias da África subsariana, mas região enfrenta riscos elevados

Cabo Verde foi uma das economias que mais cresceu, este ano, na África subsaariana, mas para o resto da região as perspectivas continuam sombrias. A crescente instabilidade, o fraco crescimento das maiores economias da região e a incerteza persistente na economia global estão a afectar negativamente as projecções, de acordo com o último Africa’s Pulse do Banco Mundial. Segundo o relatório, há mesmo o risco dos anos 2015-2025 se transformarem numa “década perdida”.

Cabo Verde é a 7ª economia que mais cresceu na África subsariana, este ano e, até ao momento, como refere o relatório Africa’s Pulse, publicado este mês pelo Banco Mundial. À frente do arquipélago estão o Benim, a Etiópia, Moçambique, a Costa do Marfim, a RD Congo e o Ruanda. Os outros PALOP ficam mais para trás, com a Guiné-Bissau no 32º lugar, Angola no 42º e São Tomé e Príncipe em 44º, aliás, pior que São Tomé só mesmo o Sudão do Sul, a Guiné Equatorial e o Sudão – os três países com crescimento negativo na região.

A economia do arquipélago está muito acima da média da África Subsariana – as previsões apontam para um crescimento de 5,7% este ano, enquanto na região se espera que a economia desacelere dos 3,6% de 2022 para 2,5% em 2023.

Entre as maiores economias subsaarianas, o produto interno bruto (PIB) da África do Sul deverá crescer apenas 0,5% em 2023, uma vez que os estrangulamentos nos sectores da energia e dos transportes continuarão. E estima-se que a Nigéria e Angola cresçam 2,9% e 1,3%, respectivamente, devido à queda dos preços internacionais e às pressões cambiais que afectam a actividade petrolífera e não petrolífera.

Em termos per capita, o crescimento na África Subsariana não aumentou desde 2015. De facto, prevê-se que a actividade regional diminua a uma taxa média anual per capita de 0,1% entre 2015 e 2025, o que poderá levar a uma “década perdida” de crescimento após o colapso dos preços das matérias-primas em 2014-15.

“As pessoas mais pobres e vulneráveis da região continuam a suportar as consequências económicas deste abrandamento, uma vez que o fraco crescimento se traduz numa lenta redução da pobreza e num fraco crescimento do emprego”, afirma Andrew Dabalen, economista-chefe do Banco Mundial para África. “Com cerca de 12 milhões de jovens africanos a entrar no mercado de trabalho, em toda a região todos os anos, há uma necessidade urgente de os decisores políticos transformarem as economias nacionais e criarem crescimento para as pessoas através de melhores empregos.”

Emprego

Em Cabo Verde, o governo espera que a taxa de desemprego estabilize nos 8,2% da população activa, já no continente, o crescimento da África Subsariana, ao longo das últimas duas décadas, não contribuiu para a criação de empregos para mais pessoas. O crescimento na região também tem sido inadequado para reduzir a pobreza extrema e impulsionar a prosperidade partilhada.

Como sublinha o Banco Mundial, os decisores políticos africanos precisam de conceber uma estratégia de crescimento inclusiva para proporcionar empregos estáveis e produtivos aos mais de 10 milhões de jovens que ingressam na força de trabalho todos os anos. Os actuais padrões de crescimento geram apenas 3 milhões de empregos formais, anualmente, deixando assim muitos jovens desempregados.

Na África Subsariana, apenas um em cada seis trabalhadores tem um emprego assalariado, em comparação com um em cada dois nos países de rendimento elevado. A nível mundial, a África Subsariana tem as taxas mais elevadas de trabalho por conta própria e de emprego familiar não remunerado, o que conduz a uma diminuição da produtividade dos trabalhadores e limita os rendimentos dos mesmos devido às suas competências.

Os empregos urbanos praticamente não aumentaram, apesar da rápida expansão das cidades no continente. A percentagem de emprego urbano da população em idade activa manteve-se em cerca de 22-23% nas últimas duas décadas. Grande parte da população da região continua a ser rural e empregada na agricultura, o que está fortemente associado à pobreza – hoje, cerca de 700 milhões de seres humanos, em todo o mundo, tentam sobreviver com menos de 2,15 dólares por dia (o limite internacional de pobreza extrema). Isto significa que 700 milhões de pessoas não têm rendimentos suficientes para satisfazer sequer as suas necessidades mais básicas. Mais da metade são crianças. Como escreveu Luis Felipe López-Calva, Diretor Global de Pobreza e Equidade do Banco Mundial, “há mais milhões de pessoas que vivem sem acesso adequado à saúde, à educação, à habitação, à água ou à electricidade: estão privadas não só de recursos essenciais, mas também de oportunidades, de esperança e de dignidade básica”.

A falta de crescimento das empresas na África Subsariana impede a criação de empregos de boa qualidade, 96% das empresas da região têm menos de cinco empregados. As infra-estruturas são uma barreira básica à entrada de novas empresas, impedindo assim o crescimento do emprego através de três canais: impedimentos à entrada de empresas, elevados custos operacionais e falta de competitividade nas exportações. Estas barreiras afectaram os sectores da energia, das infra-estruturas digitais e dos transportes.

O desenvolvimento de competências e uma maior mobilidade laboral aumentarão a produtividade das economias da região, expandirão o emprego e aumentarão os salários. Para que isso aconteça é importante lançar as bases do desenvolvimento do capital humano. As intervenções que melhoram a aprendizagem na escola são mais rentáveis do que aquelas que apenas aumentam a frequência escolar.

A expansão do sector privado exige estabilidade e crescimento das empresas e as economias da região precisam de expandir os mercados e atrair negócios internacionais para alcançarem escala. A implementação eficaz da AfCFTA tem o potencial de estimular o crescimento impulsionado pelo comércio. No entanto, o histórico de implementação de acordos comerciais na região não é sólido e subsistem inconsistências regulamentares significativas e barreiras não tarifárias.

“A urgência de melhorar o emprego na África Subsariana realça a enorme oportunidade oferecida pelas transições demográficas que temos visto noutras regiões”, referiu Nicholas Woolley, economista do Banco Mundial e colaborador do relatório. “Isto exigirá a criação de um ecossistema que facilite o desenvolvimento do sector privado e o crescimento empresarial, bem como a aquisição de competências profissionais que correspondam à procura empresarial.”

Inflação

Apesar desta perspectiva sombria, existem alguns aspectos positivos. A inflação deverá diminuir de 9,3% em 2022 para 7,3% em 2023 e o equilíbrio fiscal deverá continuar a melhorar nos países que implementam políticas macroeconómicas prudentes e coordenadas. Já para Cabo Verde – dados das directrizes do Orçamento de Estado para 2024 – é esperada uma inflação de 5,4% este ano e de 2,8% em 2024.

A inflação global desacelerou, embora permaneça acima do limite na maioria dos países com metas de inflação. O ritmo lento de redução da inflação subjacente implica que o risco de desamarrar as expectativas inflacionistas poderá manter as taxas de juro mais elevadas durante um período mais longo. O aperto das condições financeiras globais está a aumentar os spreads soberanos e a enfraquecer as moedas, aumentando assim os encargos da dívida e restringindo o acesso aos mercados de capitais globais.

A inflação tem vindo a diminuir, mas ainda está acima das metas dos bancos centrais na maioria dos países da África Subsariana. 18 países da região registam taxas de inflação médias anuais de dois dígitos ou mais em 2023. As pressões inflacionistas são dominadas pelos preços mais elevados dos alimentos e dos combustíveis e moedas nacionais mais fracas – desgastando assim o rendimento das famílias e, portanto, representado um peso considerável sobre o consumo privado.

Dívida

Em Cabo Verde – ainda dados das diretrizes do OE2024 – a dívida pública baixará para 110,5% do PIB em 2024, depois de uma redução em 2023 para 114,7% do PIB. O excesso de dívida pesa fortemente nas economias da África Subsariana. Os riscos de sobre-endividamento na região continuam elevados e foram ampliados desde a pandemia da COVID-19. A percentagem de países, na região, em alto risco ou já em situação de sobre-endividamento aumentou de 27% em 2015 para 55% em 2023 (números apurados no final de Junho). O aumento da dívida na região veio acompanhado de uma mudança na sua composição, passando de empréstimos concessionais para credores privados e credores bilaterais não pertencentes ao Clube de Paris. Como resultado, o peso do serviço da dívida e a vulnerabilidade aos choques aumentaram. O aumento dos rácios do serviço da dívida – 31% das receitas na região em 2022 – está a esgotar os recursos disponíveis para apoiar investimentos públicos e programas sociais. Com as exportações estagnadas, poderá também reduzir a disponibilidade de divisas para importações essenciais necessárias à produção e ao investimento.

A mobilização de receitas fiscais e o alargamento da base tributária são fundamentais para que os países africanos possam financiar investimentos no capital humano, na saúde e nas infra-estruturas necessárias para a entrada de empresas e o crescimento. Em Cabo Verde, prevê o governo, Os impostos passarão de 18,4% do PIB, em 2023, para 19,3% do PIB no próximo ano.

Segundo o Banco Mundial, melhorar a estrutura fiscal, estabelecer novos impostos, introduzir políticas eficazes de fixação de preços do carbono e racionalizar as isenções fiscais são essenciais. “A região precisa de confiar em abordagens inovadoras, aproveitando soluções digitais para melhorar a administração e o cumprimento fiscais e aumentar as receitas de fontes de tributação subutilizadas, como os impostos sobre a propriedade. A redução dos fluxos financeiros ilícitos poderia potencialmente trazer 89 mil milhões de dólares por ano para as economias da África Subsariana”, reconhece o Africa’s Pulse.

A redução da dívida pública e a melhoria da gestão da dívida – incluindo reestruturações eficientes da dívida – ajudariam a restaurar a sustentabilidade do sector público. As políticas nacionais de gestão da dívida devem enfatizar uma maior transparência, participação, responsabilização, tomada de decisões coerente e mecanismos institucionais eficazes.

Garantir os direitos de propriedade, proteger os investidores (incluindo os accionistas minoritários) e garantir a execução dos contratos são essenciais. O reforço de instituições independentes que aplicam as leis da concorrência também pode contribuir para o bom funcionamento da economia de mercado.

Como conclui o Africa’s Pulse, a resolução destes problemas multidimensionais exige reformas abrangentes que promovam a prosperidade económica, reduzam a pobreza e criem oportunidades de emprego sustentáveis na região.

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Respostas Políticas

A África Subsariana enfrenta o desafio de criar melhores empregos para mais pessoas. Isto exigirá um ecossistema que facilite a entrada, a estabilidade e o crescimento das empresas, bem como o desenvolvimento de competências que correspondam à procura empresarial. Uma estratégia que permita o crescimento das empresas e proporcione empregos de alta qualidade assentaria nos seguintes pilares: (1) estabilização fiscal e redução da dívida, (2) estabilidade política e um quadro institucional mais forte para apoiar os mercados, e (3) competências orientadas pela procura e melhor transformação organizacional do trabalho.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1143 de 25 de Outubro de 2023.

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