Neste sábado, 19 de agosto, a ONU lembra o atentado a bomba contra a sua sede em Bagdá, capital do Iraque, em 2003.
Duas décadas após a explosão, a ONU News ouviu depoimentos de pessoas que conviveram com Sergio Vieira de Mello e outras vítimas do ataque terrorista ao Hotel Canal.
Jornalista trocou de lugar
Para Abdel Jaber, jornalista e ex-chefe da Rádio ONU Árabe, ainda é difícil aceitar o que aconteceu. Ele deveria estar no Hotel, mas trocou de lugar com a colega jordaniana, Reham Al Farra, que estava no primeiro dia de trabalho. Jaber lembra que entregou o celular à colega, ainda jovem na carreira, e foi para o aeroporto.
Ele conta que ao chegar ao hotel não acreditou no que a TV mostrava ao vivo, direto do seu local de trabalho. Ele ficou perplexo com relatos de jornalistas falando de Sergio Vieira de Mello entre os destroços e muitos feridos. Não havia muitos detalhes.
Abdel Jaber ligou para o próprio celular, esperando falar com Reham, mas do outro lado, alguns iraquianos mentiam sobre o estado de saúde dela, que morreu na explosão. Ele só foi entender o que havia acontecido quando o corpo de Reham foi o último corpo a ser recuperado, três dias depois do ataque.
Referência para iniciantes de carreira
O ataque em Bagdá não apagou a memória de colegas e aspirantes ao setor humanitário. Sergio Vieira de Mello é referência para iniciantes de carreiras na ONU.
É o caso de Paulo de Lima, que mesmo sem ter conhecido Sergio pessoalmente, se lembra bem daquele 19 de agosto, o mesmo dia em que ingressava em sua carreira nas relações internacionais onde “o respeito por Sergio é espantoso.”
“E é cada vez mais um ícone e pioneiro na visão mais holística de direitos humanos, e como existem pontos de contacto entre direitos humanos e o desenvolvimento sustentável, colocando o Brasil no mapa dessas grandes figuras que puderam representar o nosso país em um contexto tão importante.”
As memórias de Vieira de Mello estão presentes pela ação como alto comissário para Refugiados e enviado liderando a estabilização em áreas como Kosovo e Timor-Leste. A faceta de defensor dos direitos humanos é um ponto comum.
Paz e segurança em Timor-Leste
Em Nairóbi, a representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO, no Quênia, Carla Mucavi, assinala a figura de Sergio Vieira de Melo como exemplo inspirador de mais de 30 anos da marcha dela na diplomacia.
“A humanidade deve a Sergio Vieira de Mello, a sua trajetória, o papel que ele desempenhou. O papel que desempenhou para a paz e segurança internacional, por exemplo o papel que ele desempenhou para a paz e segurança em Timor-Leste.
A influência do brasileiro ultrapassa fronteiras, segundo a jornalista brasileira Thais Imbuzeiro, que perseguiu alguma das pegadas de Vieira de Mello pelo mundo.
Inspiração
“Já trabalhei em várias agências da ONU, como Acnur, Unrwa, Fnuap e Cepal. No Oriente Médio e na África. Sergio Vieira de Mello foi uma grande inspiração para mim. Com certeza, para muitos brasileiros é uma grande inspiração, por conta do seu espírito de liderança e pela vontade que ele teve de fazer a diferença e de mudar o mundo.”
A família de Sergio Vieira de Mello diz ter noção do impacto nas pessoas e da capacidade de influência.
O sobrinho e afilhado, André Simões, fala de uma atuação exemplar baseada na Carta da ONU, de uma dedicação aos princípios fundamentais aliados a uma visão altruísta como negociador e pessoa acessível.
“Na busca da paz e da reconciliação entre os povos, na promoção de direitos humanos. De lá para cá, centenas de outros perderam suas vidas e ficaram machucados, fisicamente ou psicologicamente. Hoje é um dia para homenageá-los. O trabalhador humanitário é um ser iluminado.”
Esses atributos ainda estão presentes na memória de Rosa Malango, que foi diretora das Comissões Regionais das Nações Unidas. Ela fala de um “Modelo Sergio” que marca a passagem de um desbravador de uma atitude na área humanitária.
Natural da Guiné Equatorial, Rosa Malango diz o que mais se evidencia em cada aniversário do atentado fatal: a atenção de Sergio dada às necessidades, a ação em parceria entre beneficiários e servidores cumprindo o mandato da ONU.
Diplomacia humanitária
“Primeiro a palavra líder. Sergio era um líder nato. Era líder nos campos de refugiados. Era um líder nos palácios com os chefes de Estado. Era um líder negociando com grupos rebeldes. Em todas as dimensões. Era modelo de líder impulsivo, com respeito, sempre falava com dignidade. Ele nunca iria julgar. Nunca ia a saber a solução. Respeito e dignidade, nunca julgar. Acho que foi Sergio que começa a discussão sobre diplomacia humanitária.”
Ela conta que no Iraque, Sergio reforçou a “parceria de pessoa a pessoa” não somente em negociações, mas na inclusão.
A morte dos funcionários no atentado no Canal Hotel ditou várias mudanças na questão humanitária: um maior reconhecimento aos atores, sua rotina no terreno e ênfase na mensagem sobre o legado para as gerações futuras.
A excelência técnica é uma herança que deve ser partilhada com civis, militares e policiais de países de língua portuguesa. Segundo o comandante Carlos Vaz do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil, pertencente ao Exército, as pessoas são capacitadas para enfrentar questões humanitárias.
“Nós temos a honra de ter recebido a denominação histórica de Centro Sergio Vieira de Mello em homenagem a esse grande brasileiro que dedicou mais de 30 anos da sua vida à causa das Nações Unidas e à causa da paz. Era um homem de pensamento, que conhecia questões acadêmicas e técnicas, era sobretudo um homem de ação. Ele procurava estar no terreno, onde os problemas aconteciam e onde as pessoas precisavam dele e tentar chegar a uma solução para aqueles problemas que afligiam as populações. Nós nos inspiramos muito no exemplo do nosso patrono. Ao cumprir a nossa missão de capacitação, nós nos inspiramos no legado e ensinamento que podemos colher na sua vida e história. A trágica morte de Sergio vieira de Mello, naquele 19 de agosto, serve para nos lembrar dos riscos que nós corremos ao participarmos nesse tipo de operação.”
*Reportagem da ONU News com colaboração de Carolina Lessa, de Uganda.
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