4 de fevereiro marca 32 anos da ‘fundamentação

O 4 de fevereiro é celebrado há 3 décadas na Venezuela como um momento de fortalecimento político da principal corrente do país: o chavismo. Tendo como base as ideias políticas e econômicas do ex-presidente Hugo Chávez, o movimento ganhou força nos anos 1990, se consolidou nos anos 2000 e hoje busca, em mais um ano eleitoral, dar continuidade ao processo político iniciado há 32 anos.

Calcado na imagem de Chávez, este fenômeno tem origem na rebelião de 1992. Na ocasião, um grupo de mais de 2 mil militares se organizou em torno do Movimento Bolivariano Revolucionário-200 (MBR-200) para tentar derrubar o então presidente Carlos Andrés Pérez. Apesar de ter sido derrotado, o movimento daquele ano deu projeção às propostas do grupo e alçou Chávez ao status de liderança política nacional. 

Este processo de acumulação de forças do movimento militar foi extenso e estava ligado a uma crise econômica. Os países latinoamericanos tinham encerrado a chamada “década perdida” – os anos 1980 – com dívidas públicas muito altas. Em 1992, as reservas internacionais haviam baixado para US$ 14,1 bilhões (cerca de R$ 70 bi), o equivalente à média dos anos 1980 —período marcado por uma queda nas divisas venezuelanas. 

O governo Pérez usava o crescimento do PIB de 9,7% em 1991 para ostentar um suposto sucesso econômico mas isso não refletia no padrão de vida decadente da população. Para o historiador Carlos Alfonso Franco Gil, o 4 de fevereiro marca de forma mais proeminente no imaginário histórico venezuelano a quebra de um sistema político e econômico esgotado. 

“Em 1989, Carlos Andrés Pérez assume o poder prometendo retomar a ‘Venezuela saudita’, com alto poder de compra, que foi marca do seu governo nos anos 1970, mas não diz como faria isso. Ele aplica uma mudança radical de liberalização, de choque. As pessoas esperavam uma mudança muito mais rápida, mas suas medidas não foram eficientes e, apesar do crescimento macroeconômico, os resultados não refletiam de forma direta na economia cotidiana”, explica o professor. 

Neste cenário, a pressão popular cresce e chega a combustão no Caracazo, com grandes manifestações populares em 1989 e uma forte repressão do governo. A crise política se agrava e a avaliação de Pérez junto a diferentes setores da sociedade começa a derreter.

Segundo Carlos Alfonso Franco Gil, o movimento expôs a crise de governabilidade que chega ao final com o impeachment de Pérez em 1993. O movimento ganha força, mas também tem uma percepção distinta em diferentes setores.

“Há um setor que critica a via armada, mas um setor apoia. Chávez usa as vias não convencionais, violentas, mas que tem um aval popular importante, porque coloca em xeque um sistema que parece imóvel”, afirma

A validação de Chávez como um ator importante na política nacional é respaldada pelos setores que ele traz para o palco dos debates: os militares e a Igreja Católica. De acordo com o historiador, os dois setores “são vistos com ética e moral mais respeitáveis que os políticos convencionais”. 

Eclosão e repressão ao 4 de fevereiro

No começo da década de 1990, o MBR-200 já tinha adeptos dentro do Exército e articulava o plano Ezequiel Zamora, em homenagem ao militar venezuelano líder na Guerra Federal de 1859. Em 3 de fevereiro de 1992, o movimento começou na capital Caracas, mas o presidente Pérez foi informado pelo então ministro da Defesa, general Fernando Ochoa Antich, sobre as movimentações militares e reprimiu a rebelião. O presidente fez um discurso televisivo na madrugada do dia 3 para o dia 4 de fevereiro chamando os militares insurgentes de “golpistas” e “traidores”.

As tropas leais ao governo receberam a ordem de agir de forma dura contra os rebeldes. Por não conseguirem ter capacidade militar para neutralizar o governo, o comandante Hugo Chávez decide, ao meio-dia de 4 de fevereiro, se render e se entregar. Pede apenas para fazer um discurso à nação:

“Antes de mais nada, gostaria de dar bom dia a todo o povo venezuelano. Esta mensagem bolivariana é dirigida aos valentes soldados que se encontram no regimento de paraquedistas de Arágua e na Brigada Blindada de Valência. Companheiros: lamentavelmente, por enquanto, os objetivos que colocamos não foram atingidos na capital.”

“Quer dizer, nós, aqui em Caracas, não conseguimos controlar o poder. Vocês agiram muito bem, porém, agora é hora de refletir. Virão novas situações e o país tem de tomar um rumo definitivo a um destino melhor. Assim que ouvirem minha palavra, ouçam o comandante Chávez, que lhes lança essa oportunidade para que, por favor, reflitam e deponham as armas, porque, na verdade, os objetivos que traçamos a nível nacional são impossíveis de serem alcançados.”

“Companheiros, ouçam essa mensagem solidária. Agradeço sua lealdade, sua valentia, seu desprendimento, e eu, diante do país e de vocês, assumo a responsabilidade deste movimento militar bolivariano. Muito obrigado”

 

Segundo o governo da época, foram presos 180 oficiais, 58 suboficiais, 90 integrantes de tropas profissionais e mais de 2 mil soldados. 

O movimento tinha, em documento, 24 medidas que seriam tomadas assim que assumissem o Palácio Miraflores, a sede da presidência. entre elas estava a dissolução do Congresso e Assembleias Legislativas, a suspensão de todas as privatizações, controle sobre a livre circulação de capitais e combate ao tráfico de drogas. 

Mesmo preso, Hugo Chávez acumulou força política e ganhou popularidade. Institutos de pesquisa indicavam um nível de confiança da população sobre o militar de até 64%. 

Em 20 de maio de 1993, o então presidente Pérez foi afastado do cargo por desvio no orçamento secreto privativo de US$ 6,5 milhões para pagar a segurança da então presidente de Nicarágua, Violeta Chamorro. Mais tarde, ele foi condenado a dois anos e quatro meses de prisão domiciliar. 

Chávez deixou a prisão em 1994 e já tinha construído as bases do que, mais tarde, seria o processo revolucionário. A eclosão já estava dada e o ex-presidente introduziu uma dinâmica de trabalho de base feito de forma direta com a população.

4 de fevereiro em 2024

O governo preparou para este 4 de fevereiro marchas de encerramento do que os chavistas chamaram de primeira etapa de manifestações de abertura do ano eleitoral. O grupo que apoia o PSUV preparou para o encerramento desse ciclo de mobilizações uma caravana que sairá de diferentes regiões do país até Caracas.

A ex-deputada e principal opositora do governo, María Corina Machado, também convocou manifestações para o dia, não só na Venezuela, mas fora do país também. A ultraliberal pediu que venezuelanos e pessoas que “apoiam eleições livres e justas” ao redor do mundo saiam às ruas para apoiar o movimento da oposição.  

Carlos Franco afirma que a ideia de realizar marchas e contramarchas já é tradicional na Venezuela desde que Chávez assumiu em 1999. Mas a contramarcha organizada pela oposição neste domingo (4) usará de uma data histórica para o chavismo para justamente fazer a crítica ao episódio.

“A oposição diz que o chavismo é violento porque surge em um golpe de Estado. Essa é a crítica da oposição. Setores amplos da sociedade se apagaram a Chávez porque ele era de um grupo (militares) que era uma reserva moral do país. Essa contramarcha vai usar a crítica à essa base violenta do chavismo para colocar em debate o ano eleitoral”, completou o historiador. 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho


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